O Brasil registrou cerca de 44 mil ações judiciais por posse de drogas para consumo pessoal, entre janeiro e abril de 2024, segundo dados do Conselho Nacional de Justiça (CNJ).
Em média, foram registrados 365 processos por posse de drogas para uso pessoal, diariamente, no primeiro quadrimestre deste ano, totalizando 44.228 casos no país. A média referente aos 12 meses do ano passado ficou em 400 casos por dia, o que indica tendência de queda.
Um levantamento obtido com exclusividade pela CNN mostra que, de 2022 para 2023, o número de novas ações na Justiça aumentou em 12,4%. De 130.034 em 2022 para 146.228 no ano seguinte.
A pesquisa foi realizada no DataJud, a base nacional de dados do Poder Judiciário. Os montantes correspondem ao código de processo 5885, referente à “Posse de Drogas para Consumo Pessoal”.
Em 2023, Minas Gerais foi líder na categoria com 45.230 ações registradas. Nos primeiros quatro meses deste ano, 13.088 processos já foram documentados.
Além do aumento geral no país, 16 estados apresentaram crescimento no número de ações entre 2022 e 2023. Piauí (600%), Goiás (220%) e Tocantins (126%) tiveram as maiores altas no período.
Falta de diferenciação entre posse e tráfico
No DataJud também está registrado o código processual 11.207, referente à “Tráfico, posse ou uso de entorpecente ou substância de efeito similar”. Nesse caso, o sistema judicial não diferencia a posse do tráfico de drogas.
Em 2024, 120 ações já foram incluídas no código. Desde 2020, um total de 2.852 processos não foram diferenciados entre posse e tráfico no catálogo.
A advogada criminalista do escritório VLV Advogados, Samantha Aguiar, afirma que a falta de distinção dificulta o debate público e jurídico sobre esses crimes. “São infrações com repercussões muito diferentes na Justiça e na sociedade e demandam abordagens judiciais distintas e políticas públicas específicas”, explica.
A especialista ainda diz que não diferenciar adequadamente prejudica a precisão estatística e obscurece a realidade dos problemas enfrentados pela Justiça.
Na base de dados do CNJ ainda é possível encontrar outros três códigos processuais, dentro do Direito Penal, que separam o crime de tráfico de diferentes formas: Tráfico de Drogas e Condutas Afins (3608); Associação para a Produção e Tráfico e Condutas Afins (5897) e Financiamento ou Custeio de Produção ou Tráfico de Drogas (5898).
Recente entendimento do STF
Há um mês, por maioria, o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu descriminalizar o porte de maconha para consumo pessoal. Assim, deixa de ser crime no Brasil adquirir, guardar, transportar ou portar maconha para consumo próprio.
A decisão não significa que houve uma liberação do consumo da droga no país. Apesar de deixar de ser crime, o consumo de maconha ainda é um ato ilícito no país, de natureza administrativa e não penal. Isso significa que o usuário ainda está sujeito a punições como medidas educativas e advertência sobre os efeitos das drogas.
O STF também definiu um limite de 40 gramas de maconha ou seis plantas fêmeas como critério objetivo para diferenciar usuário da droga do traficante. Esse limite será usado até que o Congresso aprove uma regulação nesse sentido. Com essa definição, o Supremo conclui o julgamento que se arrastava desde 2015 na Corte.
As ações irão desaparecer?
A criminalista Samantha Aguiar avalia que a recente decisão do STF pode não gerar redução deste número de ações judiciais que versam sobre a posse de drogas para consumo pessoal.
Ela pondera que a Corte tratou apenas dos casos envolvendo maconha. Pessoas portando outras substâncias, como a cocaína ou drogas sintéticas, ainda que pra uso próprio, podem ser processadas.
“Outro aspecto, é que a discussão no Supremo estabeleceu apenas a quantidade como critério objetivo, sem tocar na circunstância de histórico de usuário, tipo de substâncias ou mesmo a forma de acondicionamento. Uma vez que muitas autoridades policiais têm o entendimento que caso a substância esteja fracionada configuraria tráfico e não posse, o que é absurdo, pois o entorpecente é comprado/adquirido de forma fracionada”, explica a advogada.
Apesar da avaliação de que a decisão do STF possa trazer efeitos práticos, a especialista entende que usuários não devem ser perseguido.
“Perseguir os usuários não vai fazer com que o crime de tráfico de drogas deixe de existir. Propor uma lei que não condiz com a realidade do Brasil é absolutamente desnecessária e traz maior divisão socioeconômica”, conclui.
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