Mais de 90% do ouro brasileiro importado por países europeus no ano passado teve origem em áreas com alto risco de ilegalidade, segundo estudo do Instituto Escolhas, com base em dados oficiais do governo brasileiro, divulgado nesta terça-feira (13).
O estudo “Europe’s Risky Gold” revela que 94% do minério brasileiro comprado pela União Europeia teve como origem os Estados do Pará e do Amazonas, localidades onde predomina a produção de ouro a partir de lavras garimpeiras, e São Paulo, estado não produtor de ouro, mas que escoa o metal retirado das áreas de garimpo ilegal.
Nos últimos anos, investigações e fiscalizações de órgãos estatais apontam a lavra garimpeira como a principal forma de extração e comercialização ilegal do minério no Brasil. Nessas localidades, conforme mostraram investigações, é recorrente haver esse tipo de exploração sem autorização legal ou em área superior à permitida, assim como extração de áreas de conservação e de terras indígenas.
Da aproximadamente 1,7 tonelada de ouro importada do Brasil pela Europa no ano passado, 1,5 tonelada saiu de áreas de alto risco de ilegalidade. Em valores, segundo o estudo, 93 milhões de dólares dos 99 milhões de dólares negociados com países europeus saiu dessas áreas de risco.
Os dados apontam que, em 2023, todo o ouro brasileiro importado pela Alemanha — o equivalente a 1.289 quilos, avaliados em US$ 78 milhões — teve como origem áreas de risco de ilegalidade do Amazonas. A Itália, por sua vez, importou 71% de ouro brasileiro de áreas de risco, o que dá 254 quilos de ouro do Pará e de São Paulo (US$ 15 milhões).
A diretora de pesquisa do Instituto Escolhas, Larissa Rodrigues, disse que há muitos pontos cegos na chamada política de análise prévia do ouro comprado pela União Europeia. O bloco econômico tem uma rigorosa legislação de minerais de conflito, que em tese prevê uma série de restrições para comercialização de minérios de origem duvidosa ou ilícita.
“Europa, 94% do ouro que você está comprando do Brasil é ilegal? Não, mas estão comprando de áreas que são frágeis na origem, de vendedores intermediários, de centenas de garimpos e pessoas diferentes”, afirmou.
“A União Europeia tem muitos pontos cegos na sua política de ‘due diligence’, então hoje não se pode dizer que tem uma política de compra responsável”, destacou.
O Brasil é o 14º maior produtor mundial do minério. No ano passado, o país exportou para o mundo 68 toneladas de ouro, avaliados em US$ 3,5 bilhões. Canadá, com 30,7 toneladas; Suíça, com 14,1 toneladas; e Reino Unido, com 7,2 toneladas, são os principais destinatários do ouro exportado pelo país.
A diretora do Escolhas também chama atenção para a situação específica da Suíça, segundo mercado importador do ouro brasileiro e responsável por 70% do abastecimento do minério em toda a Europa. Ela disse que o país nem sempre verifica a origem de suas aquisições do Brasil, levando a uma triangulação.
“O Brasil pode não ser seu principal ou grande fornecedor de ouro, mas a gente está mostrando que vocês têm um ponto cego na regra de due diligence bastante grande no caso brasileiro, porque o ouro que vocês compram daqui, que não consideram uma área de risco, tem risco de ilegalidade”, disse.
Em 2021, o Brasil registrou 52,8 toneladas de ouro com graves indícios de ilegalidade, o que equivale a 54% da produção nacional, segundo estudo anterior do instituto.
Rodrigues disse que é preciso ampliar a rastreabilidade da origem do ouro no país, destacando que há projetos em discussão no Congresso Nacional que aperfeiçoam a prática.
A diretora da entidade reconhece que houve avanços no ano passado no combate ao minério ilegal, com a adoção da nota fiscal eletrônica e com o fim da presunção da boa-fé na comercialização do ouro por decisão do Supremo Tribunal Federal (STF). Segundo ela, houve um “choque” no comércio de ouro, com queda de 30% nas exportações. Ainda não é possível verificar se a produção realmente caiu ou se o minério estaria sendo estocado para futura venda, acrescentou.
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