Há cerca de um mês, equipes da PF (Polícia Federal) saíram as ruas de Campo Grande, Brasília, São Paulo e Cuiabá para cumprir 44 mandados de busca e apreensão expedidos pelo STJ (Superior Tribunal de Justiça); entre os alvos, estão desembargadores do TJMS (Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul), advogados e empresários.
Era a operação Ultima Ratio, que mirava um esquema de venda de sentenças na mais alta corte judiciária de Mato Grosso do Sul.
De lá para cá, detalhes da investigação que nasceu da análise de materiais apreendidos em outras operações foram, aos poucos, reveladas; mas o que incomodou ao longo dos dias foi o silêncio: sob a justificativa de caso sigiloso, nenhum órgão público se manifestou sobre as denúncias feitas na operação, pelo menos até agora.
As provas reunidas pela Polícia Federal foram analisadas, em um primeiro momento, pela STJ (Superior Tribunal de Justiça). Foi o ministro Francisco Falcão que autorizou os 44 mandados de busca e apreensão contra 27 investigados cumpridos no dia 24 de outubro.
Ele determinou também o afastamento do exercício das funções públicas de cinco desembargadores:
• Sérgio Fernandes Martins, atual presidente do Tribunal de Justiça
• Sideni Soncini Pimentel, presidente eleito para 2025 e 2026
• Vladimir Abreu da Silva, vice-presidente eleito para os próximos dois anos
• Alexandre Aguiar Bastos
• Marco José de Brito Rodrigues
A decisão também proibiu o acesso deles às dependências do TJMS, a comunicação com pessoas investigadas e ordenou a colocação de equipamento de monitoramento eletrônico, as tornozeleiras.
Depois que a Polícia Federal foi para a rua, no entanto, o STJ parou de se manifestar. Alegou, em nota, que o processo estava em segredo de justiça e, por isso, não poderia dar nenhuma informação sobre ele. A mesma resposta foi dada nesta quinta-feira (21).
Ao longo da extensa investigação, os policiais listaram casos em que os cinco desembargadores na ativa e outros dois aposentados foram pagos para emitir decisões. Com a quebra de sigilo bancário, comprovaram o enriquecimento ilícito dos envolvidos e transferências milionários entre os alvos da ação.
Em uma conversa interceptada entre dois investigados, o advogado Felix Jayme Nunes da Cunha e o lobista Andreson de Oliveira Gonçalves, foram apontados indícios da venda de sentença até mesmo no STJ, mas para a polícia apenas com as conversas encontradas não foi possível concluir que o esquema de corrupção alcançou Brasília; ainda assim, todos os endereços dos dois homens foram alvo da busca.
O STJ também não comentou sobre isso.
No STF
Dois dias depois da ação, em 26 de outubro, o ministro Francisco Falcão informou que o processo sairia de suas mãos e ficaria sob responsabilidade do STF (Supremo Tribunal Federal).
Por dez dias, o STF não se manifestou e por isso, os desembargadores e outros dois investigados – Osmar Domingues Jeronymo, conselheiro e corregedor-geral do TCE (Tribunal de Contas de Mato Grosso do Sul) e o sobrinho dele, Danillo Moya Jeronymo – ficaram sem tornozeleira eletrônica mesmo com a ordem do STJ.
No dia 5 de novembro, a confirmação de que os sete tinham, sim, que colocar o equipamento fez com que as medidas da operação finalmente fossem cumpridas. Mas, desde então, nenhuma outra informação sobre o maior esquema de corrupção dentro do poder judiciário foi divulgada.
Em nota, o Supremo Tribunal Federal respondeu apenas: “o processo é sigiloso. Não temos informações”.
CNJ
Outro órgão que preferiu ficar em silêncio sobre a investigação da Ultima Ratio foi o CNJ (Conselho Nacional de Justiça).
Em tese, o CNJ é a instituição responsável por aperfeiçoar o trabalho do sistema judiciário brasileiro, principalmente no que diz respeito ao controle e à transparência administrativa e processual.
É o CNJ que investiga situações suspeitas dentro do sistema judiciário. Foi por isso em que no meio deste ano o juiz Ariovaldo Nantes Correa, da 1ª Vara de Direitos Difusos de Campo Grande, enviou a instituição um pedido de providências contra os desembargadores Sérgio Martins e Elizabeth Rosa.
Na época, Elizabeth ainda não era desembargadora, mas era justamente sobre a eleição dela que o pedido falava.
O juiz expôs ao CNJ que era o responsável por julgar o processo que discutia a autorização do desmatamento da mata no Parque dos Poderes para a construção do novo prédio do Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul, de quase 60.000 m²; uma questão complexa que assim que ele saiu de férias foi aprovada pela colega Elizabeth Rosa, que estava há apenas uma semana como juíza substituta da 1ª Vara de Direitos Difusos.
Os benefícios da decisão, segundo ele, vieram dias, meses, depois, com a escolha dela para o cargo de vaga de Júlio Roberto Siqueira. Para o magistrado, tudo foi pensado por Sérgio Martins, o então presidente do TJMS.
A denúncia feita pelo juiz foi arquivada em agosto, sob alegação de que não havia nenhum indício de corrupção ou erro, mas entrou no relatório da Polícia Federal como uma prova contra os crimes cometidos pelo desembargador Sérgio Martins para benefício próprio.
Quando questionado se a operação poderia reacender o caso, o CNJ se calou; um ato “comum”, segundo conversar interceptadas pela própria Polícia Federal durante as investigações.
Logo depois que o desembargador aposentado Divoncir Schreiner Maran foi alvo da operação Tiradentes, em fevereiro deste ano, por suspeita de liberar um traficante condenado depois de receber propina, os policiais acompanharam uma conversa entre uma assessora do desembargador aposentado Júlio Roberto Siqueira e uma juíza estadual.
Segundo a investigação, a juíza já compôs a diretoria da Amamsul (Associação dos Magistratos de Mato Grosso do Sul). Na conversa, as duas falam sobre o conhecimento do esquema de corrupção nos bastidores do judiciário.
Pedrini citado na conversa é o juiz Rodrigo Pedrini Marcos, atualmente lotado na 1ª Vara Criminal de Três Lagoas.
Para a polícia, a conversa só confirma todo o esquema revelado na investigação e comprovado ao longo de provas que surgem em 2015, com a operação Lama Asfáltica: o uso de empresas para lavagem de dinheiro de propina, a ajuda dos filhos dos desembargadores, todos advogados, como intermediários da venda de sentença e o conhecimento dos crimes nos bastidores do poder em Mato Grosso do Sul.
TJMS
Apesar de ser o maior esquema de corrupção já denunciado no Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul e, possivelmente, implicar na mudança do destino de vários processos julgados ao longo dos anos, o próprio Tribunal ainda não se manifestou sobre o futuro dessas ações ou medidas efetivas para reparar os danos, muito menos o que pode acontecer com os desembargadores citados.
Em nota, afirmou apenas que não teve acesso aos autos e reiterou o compromisso com a transparência e a legalidade.
A Amamsul também foi procurada mais de uma vez desde a operação e informou apenas que acompanha o desenrolar dos acontecimentos.
OAB-MS
Para investigar a extensa lista de advogados envolvidos no esquema, principalmente os filhos dos desembargadores, a OAB-MS informou ter criado uma comissão para acompanhar a Ultima Ratio. O prazo para isso é de 30 dias. Até o momento, não foram divulgados os resultados da análise das provas.
Confira, mais uma vez, a lista dos investigados pela Ultima Ratio
- Sérgio Fernandes Martins – atual presidente da Corte
- Vladimir Abreu – vice-presidente eleito para assumir o biênio 2025/2026
- Sideni Pimentel – presidente eleito para assumir o biênio 2025/2026
- Alexandre Aguiar Bastos – desembargador
- Marcos Brito – desembargador
- Osmar Domingues Jeronymo – Conselheiro e corregedor-geral do TCE (Tribunal de Contas de Mato Grosso do Sul)
- Danillo Moya Jeronymo – sobrinho de Osmar Domingues Jeronymo
- Natacha Neves de Jonas Bastos – servidora do TJMS
- Marcus Vinicius Machado Abreu da Silva – advogado e filho do desembargador Vladimir Abreu
- Ana Carolina Machado Abreu da Silva – advogada e filha do desembargador Vladimir Abreu
- Julio Roberto Siqueira Cardoso – desembargador aposentado
- Camila Cavalcante Bastos Batoni – advogada, atual vice-presidente da OAB/MS e filha do desembargador Alexandre Bastos
- Rodrigo Gonçalves Pimental – filho do desembargador Sideni Soncini Pimentel
- Renata Gonçalves Pimental – filha do desembargador Sideni Soncini Pimentel
- Divoncir Schreiner Maran – desembargador aposentado e alvo da Operação Tiradentes
- Divoncir Schreiner Maran Junior – filho do desembargador aposentado Divoncir Schreiner Maran
- Diogo Ferreira Rodrigues – advogado e filho do desembargador Marcos José de Brito
- Felix Jayme Nunes da Cunha – advogado e um das cabeças do esquema
- Everton Barcellos de Souza – empresário
- Diego Moya Jeronymo – sobrinho de Osmar Domingues Jeronymo
- Percival Henrique de Souza Fernandes – empresário
- Paulo Afonso de Oliveira – juiz da 2ª Vara Cível da Comarca de Campo Grande-MS
- Fábio Castro Leandro – ex-procurador-geral da Prefeitura de Campo Grande e filho do desembargador aposentado Paschoal Carmello Leandro
- Andreson de Oliveira Gonçalves – empresário, proprietário da Florais Transportes e Táxi Aéreo no Mato Grosso
- Flávio Alves de Morais – advogado e sócio de Felix Jayme Nunes da Cunha
- Mauro Boer – empresário
- Marcos Antônio Martins Sottoriva – Procurador de Justiça do Estado de Mato Grosso do Sul