Indenizações seguem em disputa após quase nove anos do desastre em Mariana


Após quase nove anos do desastre em Mariana (MG), a questão das indenizações continua em disputa. Cerca de 85% dos reassentamentos nos distritos mineiros de Novo Bento Rodrigues e Paracatu, totalmente atingidos pela lama em 2015, foram concluídos. No entanto, anos após o rompimento da barragem do Fundão, em Mariana, alguns moradores atingidos seguem com o assunto na Justiça.

Desastre em cadeia

“Um desastre como esse, com uma quantidade enorme de atingidos, que atingiu uma extensão territorial muito grande vai gerando efeitos e danos em cascata”, é o que diz Ana Maria Nusdeo, professora de Direito Ambiental da Faculdade de Direito da USP. Para a especialista, a existência das ações na justiça ao mesmo tempo em que as ações de reparação seguem em curso acontecem diante da grande complexidade do desastre, que atingiu cerca de dois milhões de pessoas, segundo a FGV.

“Você tem, por exemplo, a situação de uma população que ficou sem água, tem vários que perderam as casas, tem aqueles que não perderam as suas casas, mas ficaram sem atividade econômica…”, argumenta.

Para a professora de Direito Processual Civil Cecília Asperti, da FGV-SP, e que fez parte dos trabalhos do Ministério Público Federal na região de Mariana, a extensão dos danos sofridos e a complexidade da reparação também acabaram se tornando um aprendizado do funcionamento do sistema de justiça para as comunidades.

“As pessoas atingidas estão nessa luta pela reparação em muitos espaços e elas adquiriram a dura as penas e com muito esforço um repertório e uma expertise de como navegar o caso que é, para mim, o caso mais complexo que hoje se encontra em curso no Judiciário brasileiro”, complementa.

Discussão na Inglaterra

Enquanto uns concordaram com as ações de compensação, reparação e indenização da Fundação Renova, outros seguiram discutindo o tema na Justiça.

De acordo com Nusdeo, um complicador é o tempo da reparação, o que pode fazer com que comunidades anteriormente de acordo acabem discordando com os procedimentos inicialmente pactuados.

“A demora, a insuficiência leva que alguns falem ‘olha, eu não quero mais ficar nesse barco, vamos dizer assim, ‘tô saindo desse barco coletivo, né? Tô saindo dessa desse meio de solução de controvérsias no âmbito coletivo que é o TAC, ou eventualmente uma ação civil pública, e vou pleitear diretamente meus danos na justiça”, completa.

Para além das ações na justiça brasileira, um outro processo, na Inglaterra, tenta abordar a questão. A ação tramita no Reino Unido por ser lá a sede de uma das empresas envolvidas no rompimento da barragem, a BHP Billiton.

A tramitação do processo na Inglaterra não interrompe e não anula o que já corre no Brasil. Ao mesmo tempo, não há garantia de que vá correr mais rapidamente. Para especialistas, o processo faz parte dos aprendizados vindos com a complexidade do caso.

“Essa concorrência pode nos levar a um aprimoramento institucional da nossa justiça. E eu acho também para a justiça inglesa, porque não acho que a questão é a gente achar e lá você vai ter melhores condições de atingir uma reparação, são parâmetros e paradigmas diferentes, então é uma convivência que pode levar um crescimento institucional certamente aqui do nosso lado na justiça brasileira”, diz a professora Cecília Asperti.

Manutenção das comunidades e relação com os antigos distritos

Romeu Geraldo é líder da associação de moradores de Paracatu de Baixo, um dos bairros rurais de Mariana devastados pela lama. Nove anos depois, ele recebeu uma casa e hoje é comerciante em Paracatu, o novo distrito.

Romeu Geraldo mostra a igreja de Paracatu de Baixo, coberta pela lama e restaurada pela própria comunidade / Israel Castro / CNN Brasil

Do antigo bairro, sobraram apenas uma quadra, uma escola e uma igreja – que foi limpa pela própria comunidade e ainda é espaço para missas. Essa foi uma escolha, segundo Romeu, para preservar costumes de gerações.

“Meu pai morreu com 93 anos. Nasceu e criou aqui. O pai dele nasceu e criou aqui. Todo mundo nasceu e criou aqui, estão sepultados naquele cemitério que tem ali na parte de cima. Então é isso que a gente não quer, perder essa origem”, diz Romeu.

Escola de Paracatu de Baixo afetada pela lama no rompimento da barragem do Fundão / Rogério Costa / CNN Brasil

Luciene Alves opta por não voltar mais a Bento Rodrigues, outro dos bairros atingidos. Ela, junto com o marido e a filha, foram os primeiros a pegar as chaves da casa do Novo Bento Rodrigues, em abril de 2023. Hoje, quase nove anos após a tragédia, ela comemora a chegada dos antigos vizinhos.

“A gente tava sozinho e tava tudo muito novo, né? Era tudo muito novo, você olhava para o lado e não via ninguém à noite… não tinha ninguém. Aí depois que foi chegando as pessoas para aqui… vizinhos, né? A gente tá entendendo, tá interagindo de novo, então para mim agora tá gostoso”, diz Luciene.

Luciene Alves em sua nova casa, que recebeu em abril de 2023, em Novo Bento Rodrigues / Israel Castro / CNN Brasil

Perspectivas

A construção de novas memórias e o respeito pelo o que aconteceu fazem parte da rotina das comunidades atingidas pelo rompimento. Para Romeu, é uma marca difícil de esquecer.

“Eu mesmo não esqueço nunca. Tô até hoje na luta e batalhando junto com a comunidade para a gente conseguir nossos objetivos. A gente não tá querendo dinheiro… a gente simplesmente quer voltar para nossa vida, ao que nós éramos antes. Não vai ser igual. Mas o mínimo que voltar lá… 60, 70% que a gente tinha antes”, argumenta.

Imagens aéreas do distrito de Novo Bento Rodrigues, em construção desde o rompimento da barragem do Fundão, em 2015 / Rogério Costa / CNN Brasil

Para Paulo Paiva, ex-consultor da Fundação Renova e professor da Fundação Dom Cabral, a questão é entrar em um acordo possível, já que as ações de reparação não conseguem atingir tudo o que foi perdido.

“No caso de Mariana, as famílias que perderam suas casas, perderam o ambiente que elas trabalharam, estão sendo construídas casas… Mas isso não repara culturalmente o ambiente que as pessoas viviam. Então não se faz a justiça absoluta, mas a justiça possível. Há de se ter essa consciência do que é possível fazer”, explica.

Já para Roberto Waack, ex-CEO da Fundação Renova, há um inconformismo das comunidades que deve ser respeitado, justamente pela intensidade e pela extensão da tragédia.

“As pessoas que foram atingidas têm a legitimidade de se manter inquietas e críticas a vida inteira, eu não acho que seja possível que um desastre dessa dimensão na vida delas, seja algo que algum dia alguém possa dizer tá resolvido isso nunca será resolvido. Isso é uma marca permanente na vida dessas pessoas e daquela sociedade”, completa.



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