O que faz o governo Maduro ser de extrema esquerda? Especialistas explicam


Há 26 anos começava um novo regime na Venezuela. Em 6 de dezembro de 1998, o coronel Hugo Chávez ganhou as eleições presidenciais pela primeira vez, após protagonizar uma tentativa de golpe de Estado em 1992. Chávez desenvolveu um regime político que chamava de “socialismo do século XXI”, explicitando o viés esquerdista do seu autodenominado modelo de “bolivarianismo”.

Após comandar o país por 14 anos, Chávez morreu de câncer em 2013, quando passou o comando para seu então vice, Nicolás Maduro, que manteve as diretrizes da extrema esquerda em seus dois mandatos.

Felippe Ramos, PhD pela New School de Nova York e analista de risco político na FR Análise, destaca que chavismo constitui aspectos de uma esquerda radical: a reformulação completa da Constituição e a reforma do Estado venezuelano para desfazer o que eles chamavam de “Estado burguês”.

Antes de Chávez assumir o poder, havia um pacto em que dois partidos se revezavam no poder, no qual o liberalismo era o condutor das ações promovidas, lembra Stephanie Braun Clemente, pesquisadora de Política Externa na UERJ. A pesquisadora volta no tempo, até a Revolução Bolivariana, para explicar a base ideológica a qual Maduro busca dar continuidade.

“A Revolução Bolivariana pode ser descrita, resumidamente, da seguinte maneira: possuía a incumbência de libertar a Venezuela, seus cidadãos, assim como outros países do continente americano, da submissão ao imperialismo dos Estados Unidos”, pontua a especialista.

Frequentemente Maduro cita a expressão “imperialismo norte-americano” em discursos fervorosos voltados a apoiadores e em sintonia com pensamentos de setores antigos da esquerda e da extrema esquerda mundiais.

Extrema esquerda e a economia

Felippe Ramos explica que o principal aspecto de uma esquerda radical, ou extrema esquerda, no governo de Nicolás Maduro está relacionado sobretudo à economia. Entre os exemplos, estão a “total nacionalização da economia” e o “controle absoluto da política cambial”.

Ao relembrar que a Venezuela passou por crise econômica e teve forte diminuição do PIB em um período de sete anos, o especialista pondera que “as políticas de extrema esquerda na economia geraram essa crise econômica”.

“Então, a esquerda radical, um anti-imperialismo, um anti-americanismo, um conservadorismo moral e autoritarismo são as marcas principais políticas do chavismo madurista”, observou Ramos.

As políticas econômicas chavistas levaram o país a um cenário de hiperinflação, escassez de produtos básicos, um êxodo de milhões de migrantes e um alto grau de conflito social, com milhares de protestos contra o governo de Maduro, muitos dos quais foram reprimidos com violência.

A crise na Venezuela

Leandro Consentino, cientista político e professor do Insper, pondera que os conceitos de direita e esquerda, nascidos na Revolução Francesa, estão gastos, havendo dificuldade no enquadramento de alguns governos nestes aspectos.

Porém, “o próprio regime Maduro, assim como seu antecessor, Hugo Chávez, proclamam ser de esquerda. Dentro dessa ideia à força que esse regime professa, ele está enquadrado na esquerda, e ao apelar para algo mais extremo do ponto de vista das suas próprias instituições, da sua própria maneira de implementar esse regime, aí a gente pode apelar para uma ideia de uma extrema esquerda”, diz Consentino.

Stephanie Braun Clemente, por sua vez, comenta: “Pensando em uma definição geral do conceito de extrema esquerda, ou seja, que se pauta pela defesa da extinção das desigualdades sociais, que seriam geradas pelo sistema capitalista, por serem negativas para a população, a Venezuela comandada por Nicolás Maduro pode, sim, ser caracterizada assim”.

Autoritarismo

Outro ponto comum ressaltado pelos especialistas ouvidos pela CNN é o autoritarismo do governo de Nicolás Maduro.

Felippe Ramos afirma que, na ciência política, este tópico se refere à concentração de poder.

“Hoje, apesar da Constituição venezuelana indicar a existência de cinco Poderes — aqui no Brasil são três —, esses cinco Poderes se remetem à Presidência da República. Uma submissão aos ditames do chefe de Estado. Portanto, a gente considera isso um regime autoritário”, comenta.

Esse seria ainda um ponto de diferenciação com o chavismo.

Segundo Stephanie Braun Clemente, “Maduro acaba por tomar atitudes autoritárias, que visam a manutenção da Revolução Bolivariana no poder”.

“Hoje, estamos vivenciando uma crise do projeto político-ideológico bolivariano, que confere a originalidade e especificidade da extrema-esquerda venezuelana”, adiciona.

Na última quarta-feira, a Human Rights Watch (HRW) disse nesta quarta-feira (31) que recebeu “relatos credíveis” de 20 mortes relacionadas a protestos na Venezuela sobre os resultados das eleições presidenciais. Na conta de outras ONGs, há relatos de mais de 300 presos políticos no país antes mesmo destas eleições.

Regiane Bressan, professora de Relações Internacionais da Unifesp, afirma que a política externa da Venezuela também foi “contaminada” com o autoritarismo, com uma política de fácil ruptura com a comunidade internacional.

A especialista diz ainda que não divulgar as atas eleitorais é um indício de que o governo Maduro “já rompeu com a democracia”.

Leandro Consentino também ressalta que alguns especialistas têm estudado e abordado a ideia de governos nacionalistas, que estariam comprometidos com “esse ideal nacionalista autoritário e governos mais pautados numa democracia liberal”.

Para Felippe Ramos, o nível de autoritarismo e a possível fraude na eleição presidencial fazem o governo venezuelano “deixar de ser um mero populismo radical, um autoritarismo competitivo”, no qual as eleições não são livres e justas, mas há possibilidade de a oposição vencer cargos, para um regime fechado — de extrema esquerda.



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