Quase na clandestinidade, menos de um mês após as eleições de 28 de julho na Venezuela, a líder oposicionista María Corina Machado parece ter encontrado em influenciadores, comediantes e nas redes sociais uma plataforma para continuar com a pressão sobre o resultado questionado das eleições.
A oposição afirma que Edmundo González Urrutia é o candidato vencedor das eleições e que possui provas para comprovar isso. O Conselho Nacional Eleitoral (CNE) declarou vencedor o presidente Nicolás Maduro, sem que até o momento tenha publicado detalhes dos resultados por centro e mesa de votação.
Na quinta-feira (22), o Tribunal Supremo de Justiça (TSJ) ratificou os resultados anunciados pelo CNE. Ambas as instituições são dirigidas por funcionários alinhados ao chavismo.
Nas últimas semanas, Machado reduziu consideravelmente suas aparições públicas e, a partir de um local desconhecido, tem participado de espaços alternativos para alcançar outras audiências através de podcasts, programas no YouTube, transmissões ao vivo no Instagram e TikTok.
E, embora não tenha abandonado as entrevistas com mídias nacionais e internacionais, aprofundou uma estratégia para transmitir sua mensagem e motivar audiências jovens, de acordo com informações fornecidas por sua equipe de campanha e analistas.
Ana Milagros Parra é uma cientista política venezuelana de 27 anos que analisa a comunicação eleitoral do seu país através de suas redes sociais e também em seu podcast “A medias”, onde aborda a atualidade política. Ela diz à CNN que, apesar da estratégia comunicacional de Machado não ser explícita, trata-se de “resistência civil”.
“Ela está desafiando a censura e moldando-se a essa repressão. E tentando manter as pessoas moralizadas, o que não significa que todo mundo vá sair às ruas. Já tivemos episódios de sair às ruas todos os dias e foi contraproducente: houve muitas baixas (mortes), muita violência e trauma geracional”, analisa Parra sobre a atitude da oposição desde 28 de julho.
Parra define resistência civil ou resistência pacífica como “moralizar as pessoas”, que, em seu critério, representa “uma luta diária para manter as pessoas comprometidas”, considerando que a curto e médio prazo a situação da Venezuela é incerta.
Coesão do eleitorado opositor
Parra acredita que as condições políticas atuais no país exigem a necessidade de coesão da população. E o público jovem é uma das frentes necessárias: “O mainstream, o que as pessoas consomem”.
“Muitos dizem que é banal que María Corina Machado esteja utilizando influenciadores. A maioria são pessoas venezuelanas e as que não têm um público latino-americano.
É uma estratégia muito voltada para os jovens. Para os jovens você precisa de um interlocutor que possa digerir a informação, porque é uma estratégia política que não é fácil de traduzir”, diz Parra.
“Então, estar em uma live com Lele Pons, ou com comediantes, ou em um podcast muito famoso que não é ouvido apenas por venezuelanos, mas por toda a América Latina é importante porque você leva a mensagem, leva confiança, e de alguma forma fideliza populações que não leem sobre política, e que se leem sobre política não entendem o suficiente porque é complicado”, analisa.
Além disso, há uma estratégia para alcançar diferentes públicos dentro de uma mesma geração, acrescenta a cientista política. Isso inclui participar do podcast de comédia venezuelano “Escuela de Nada” e também com a influenciadora e cantora venezuelana Lele Pons – que vive nos Estados Unidos com sua família desde que era criança -, com mais de 54 milhões de seguidores no Instagram que são, em grande parte, pessoas daquele país.
“É aproveitar as conexões que se tem com os 8 milhões de venezuelanos que imigraram”, aponta Parra.
No programa ao vivo no Instagram que fez com Pons em 9 de agosto, Machado não perdeu a oportunidade de mandar algumas mensagens em inglês e se dirigir diretamente aos seguidores da cantora para pedir paciência e apoio para amplificar a mensagem.
“Todos estamos contigo”, disse Pons. “Você é como a mãe de todos”.
Momentos depois, a líder oposicionista antecipou a resposta do governo de Maduro, que chegaria dias depois. “Prepare-se depois dessa live para tudo o que vão dizer”, ela alertou a jovem em tom de brincadeira.
Ela não estava errada.
Uma abordagem mais informal
Em todas as suas participações, especialmente no podcast de comédia “Escuela de Nada”, ou com La Divaza, um youtuber venezuelano conhecido, “Machado ri, faz piadas, tenta ser engraçada”, diz Parra, com o objetivo de alcançar a geração Z, os jovens nascidos entre meados dos anos 90 e o final dos anos 2000.
“São eles que podem fazer um edit de TikTok, e acham engraçado, e dizem ‘essa senhora me dá confiança, porque não é uma política que vejo inacessível para mim’”, analisa Parra.
“Ela está conectando com todos, ou é o que está tentando, unindo a todos para que sintam confiança nela e que a estratégia que está fazendo, que depende das pessoas, possa ser frutífera”, acrescenta.
Em seu diálogo no dia 6 de agosto com Chente Ydrach, um comediante de Porto Rico com mais de 1,3 milhões de inscritos no YouTube, Machado resumiu seu objetivo desta forma: “Para nós é muito importante que a voz da Venezuela chegue ao mundo inteiro e eu sei que as vozes de vocês são poderosas e têm credibilidade, e muita gente vai entender o que estão vivendo os venezuelanos hoje”.
Nessas aparições, além de sua atitude – fazer piadas, estar sentada de maneira mais relaxada e descontraída – sua vestimenta também é diferente. “Uma coisa é ir com um blazer, e outra é ir com sua camiseta branca e seu rosário… não são coisas que saem do nada”, diz a cientista política.
Mensagem multiplataforma
“Estamos avançando, trabalhando em vários planos e todos entendem a nível da opinião pública nacional, porque estão tão desesperados que querem que não possamos nos comunicar entre nós. Até a rede X foi bloqueada. Então, é preciso garantir que a comunicação sobre a verdade seja conhecida na Venezuela: sobre a opinião pública internacional, sobre os governos e as instâncias multilaterais para que exerçam toda a pressão sobre o regime”, disse Machado no protesto nas ruas de 17 de agosto.
Nas últimas semanas, Machado concedeu entrevistas a jornalistas da CNN como Christiane Amanpour e Fareed Zakaria; também a outros meios internacionais e nacionais, e finalmente ao segmento dedicado a influenciadores.
Uma fonte próxima à estratégia comunicacional de María Corina Machado disse à CNN que se trata de outra etapa, na qual à limitação nos meios tradicionais e as restrições por sua segurança se soma o foco em outras audiências e por outras vias.
Sua equipe acredita que os influenciadores podem ser a melhor convocação para atrair outras pessoas a apoiar e motivar outros que não necessariamente podem ouvir Machado pelos meios que usa habitualmente.
A intenção, acrescentou a fonte, era fazer com que a mensagem chegasse “por todas as vias possíveis para que ninguém ficasse sem saber o que estava acontecendo” na Venezuela, por isso em muitos casos essas participações com influenciadores ou comediantes ocorreram no mesmo dia.
Maduro contra Lele Pons
Essa estratégia comunicacional da líder oposicionista gerou a reação do presidente Nicolás Maduro.
“Agora há uma tal Lele Pons. Ela quer com um show em Miami no sábado impor um governo na Venezuela. Mas quem disse que Lele Pons é política? Agora sim entendemos que Lele Pons é a CNE. Mas quanto dinheiro estão colocando por trás disso?”, disse em um vídeo no TikTok em 16 de agosto, um dia antes da manifestação mundial convocada pela líder oposicionista.
“Vocês poderão conspirar de Miami, mas na Venezuela quem manda são os venezuelanos”, acrescentou Maduro em uma mensagem dirigida aos artistas, comediantes e influenciadores que deram visibilidade a Machado nas últimas semanas.
“Te incomodei? Não vai me calar, Maduro!!!! A Venezuela ganhou”, respondeu a jovem em uma publicação no X.
Em contraposição, Parra analisa que o governo da Venezuela “pela primeira vez neste regime, desde Chávez, não tem controle da narrativa apesar da propaganda”.
“Você tem os porta-vozes principais do governo todos os dias em cadeia nacional ameaçando. E se você observar, é um discurso que não tem pé nem cabeça, que não deve ser desmerecido porque eles são capazes de agir, mas narrativamente não são lógicos e não conseguiram ter controle do discurso, que é algo que ninguém tinha visto nas últimas décadas”, explica a especialista venezuelana.
“Não têm roteiro. Por que você, que diz que venceu, tem a atitude de estar preocupado com uma influenciadora que falou mal de você? Se você tem o poder do Estado e o controle total das instituições, por que você vai ficar em canais falando mal de uma garota que está fora do país?”, questiona sobre as declarações de Maduro sobre Pons.
Nas palavras da cientista política, a única arma que o governo tem “é a violência, a repressão e usar os mecanismos do Estado para controlar”.