Análise: Prêmio Nobel da Paz é aviso para um mundo à beira da guerra nuclear

CNN Brasil


A concessão do Prêmio Nobel da Paz a um movimento popular de sobreviventes da bomba atômica de Hiroshima e Nagasaki reflete um medo generalizado de que o planeta nunca esteve tão perto de uma guerra nuclear.

Nas últimas semanas, a Rússia alterou suas diretrizes para o uso de armas nucleares e alertou os Estados Unidos e seus aliados de que o apoio à Ucrânia pode levá-los a um conflito direto com Moscou, o que poderia se tornar uma guerra nuclear.

No Oriente Médio, Israel trocou ataques com o Irã. Especialistas em armas acreditam que o Exército israelense tenha cerca de 90 ogivas nucleares.

Além disso, há especulações de que o país possa atacar instalações onde acredita que o Irã esteja desenvolvendo suas próprias armas atômicas.

E o líder norte-coreano Kim Jong-unn declarou nesta semana que seu país aceleraria os esforços para se tornar “uma superpotência militar e uma potência nuclear”. A Federação de Cientistas Americanos estima que ele já tenha 50 ogivas nucleares.

“Em um momento em que a Rússia está ameaçando usar armas nucleares, todos os Estados com dispositivos do tipo estão se rearmando, e os tratados de controle de armas estão se rompendo, este sinal de alerta é necessário!” disse Ulrich Kuehn, especialista em armas do Instituto de Pesquisa para a Paz e Política de Segurança em Hamburgo, elogiando a concessão do prêmio Nobel ao movimento japonês Nihon Hidankyo.

“Poucos prêmios Nobel da Paz foram mais oportunos, mais merecidos, mais significativos pela mensagem que transmitem”, pontuou Magnus Lovold, da Academia Norueguesa de Direito Internacional.

O reconhecimento vem três dias antes de a Otan, a aliança militar ocidental, dar início ao seu exercício nuclear anual “Steadfast Noon”, com caças F-35A e bombardeiros B-52 e cerca de 60 aeronaves de 13 países participantes.

As pessoas que se opõem a armas nucleares e fazem campanha por sua abolição alegam há muito tempo que disparar uma arma do tipo, intencionalmente ou como resultado de um acidente ou erro de cálculo, poderia desencadear uma espiral de retaliação que levaria à destruição do planeta.

Os ativistas destacam ainda o fato de que potências nucleares rivais poderiam se destruir muitas vezes, um cenário que durante a Guerra Fria era chamado de “Destruição Mútua Assegurada” ou MAD.

Lição da história e apreensão

As duas bombas atômicas lançadas pelos Estados Unidos em Hiroshima e Nagasaki no final da Segunda Guerra Mundial mataram cerca de 120 mil pessoas, enquanto milhares morreram de queimaduras e ferimentos por radiação nos anos seguintes.

As armas atômicas da atualidade são muito mais poderosas do que as usadas em 1945.

Por décadas, graças, em grande parte, ao trabalho da Nihon Hidankyo, a destruição desencadeada nas duas cidades japonesas foi amplamente vista como uma lição da história de que usar armas nucleares novamente é terrível demais para ser contemplado.

“Afirmamos que uma guerra nuclear não pode ser vencida e nunca deve ser travada”, advertiram os cinco países que possuem armas nucleares “oficialmente” — Rússia, Estados Unidos, China, França e Reino Unido — em janeiro de 2022.

No mês seguinte, o presidente russo, Vladimir Putin, iniciou a invasão em grande escala da Ucrânia, e os especialistas começaram a mudar sua avaliação dos riscos nucleares.

No dia da invasão, Putin alertou os inimigos da Rússia que eles sofreriam “consequências que vocês nunca enfrentaram em sua história” se tentassem atrapalhar seus planos.

Em setembro de 2022, ele descreveu os ataques nucleares dos EUA ao Japão como tendo criado um “precedente”.

Em janeiro de 2023, os cientistas atômicos moveram seu “Relógio do Juízo Final” mais perto do que nunca da meia-noite, o ponto teórico da aniquilação.

Entre muitos outros sinais para o Ocidente desde então, a Rússia anunciou a implantação de mísseis nucleares táticos em Belarus, encenou várias rodadas de exercícios nucleares e cancelou sua ratificação do tratado global que proíbe o teste de armas nucleares — um pacto que os Estados Unidos nunca ratificaram.

Especialistas em controle de armas afirmam que conduzir um teste nuclear, algo que apenas a Coreia do Norte fez neste século, seria um sinal dramático de escalada.

Putin ressalta que a Rússia não testará estes dispositivos, a menos que os Estados Unidos o façam, destacando que pode vencer a guerra na Ucrânia sem recorrer a armas nucleares.

Com o desmoronamento da estrutura de controle de armas que surgiu do fim da Guerra Fria, especialistas nucleares estão preocupados com a perspectiva de uma corrida armamentista acelerada envolvendo não apenas a Rússia e os Estados Unidos, mas a China.

O último pilar restante do controle de armas EUA-Rússia, o acordo New START, de 2010, que limita o número de ogivas nucleares estratégicas dos dois lados, deve expirar em fevereiro de 2026.

Beatrice Fihn, ex-diretora da Campanha Internacional para Abolir Armas Nucleares que ganhou o prêmio Nobel da paz em 2017, postou no X que chorou ao ouvir as notícias desta sexta-feira.

Ela observou que o prêmio deve ser um estímulo para encorajar mais países a aderir a um tratado global sobre a proibição de armas nucleares.

“Ainda temos alguns sobreviventes conosco, com experiência em primeira mão do que essas armas horríveis, desumanas e ilegais fazem”, escreveu Fihn.

“Devemos a eles agir agora!”, concluiu.



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