O que sabemos sobre exames errados que causaram infecção por HIV em transplantes


Seis pacientes contraíram o vírus HIV após passarem por transplantes de órgãos no Rio de Janeiro. Segundo as investigações, dois doadores teriam feito exame de sangue no laboratório PCS Lab, localizado Baixada Fluminense, e os resultados deram falso negativo.

A Secretaria de Estado de Saúde do Rio de Janeiro (SES-RJ) determinou a investigação, após a veiculação dos casos. É a primeira vez que algo do tipo ocorre no Brasil. Apenas no Rio de Janeiro, 16 mil pessoas já passaram por transplantes desde 2006.

A Polícia Civil afirma que os casos de infecção de pacientes com HIV após receberam órgãos transplantados, no Rio de Janeiro, foram causados por falha operacional, com objetivo de obter lucro. Um dos sócios do PCS Lab Saleme, Walter Vieira, foi preso em uma operação da Polícia Civil na manhã desta segunda-feira (14).

O Conselho Regional de Farmácia do Rio de Janeiro (CRF/RJ) afirmou que o laboratório responsável pelos testes errados de HIV, não possui registro como estabelecimento junto ao Conselho.

O Ministério da Saúde solicitou a interdição cautelar do Laboratório PCS Lab Saleme após a divulgação das denúncias. O Ministério Público do Rio de Janeiro (MPRJ) recomendou que todos os testes para transplantes no estado sejam feitos exclusivamente pelo Hemorio.

Contrato milionário

O contrato, firmado pela Fundação Saúde do RJ em dezembro de 2023, tinha duração de 12 meses, no valor total determinado foi de R$ 11.479.459,07. O acordo previa que a Patologia Clinica Doutor Saleme Ltda realizasse análises clínicas e de anatomia patológica.

Na proposta de prestação de serviço, o PCS Lab afirma que compreende “a demanda de rotina, urgência e de emergência” e que fará a análise e realização de exames no interior das unidades de Pronto Atendimento Médico Cavalcanti e Coelho Neto, na zona Norte da capital fluminense.

A oferta cita centenas de procedimentos e, entre eles, estão seis tipos de testes de HIV. Segundo a SES-RJ, o contrato com a empresa foi suspenso após a secretaria tomar a ciência do caso.

Investigações e prisões

A Polícia Federal instaurou inquérito que vai investigar a infecção de ao menos seis pacientes por HIV após transplantes no Rio de Janeiro. Com o início deste inquérito, os investigadores devem colher depoimentos de testemunhas, de representantes do laboratório responsável e dos pacientes infectados. Não há previsão de datas.

O Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro (MP-RJ) também instaurou um inquérito civil para investigar as irregularidades.

Um dos sócios do laboratório que fez os testes foi preso na manhã desta segunda-feira, no Rio de Janeiro. Walter Vieira, sócio do PCS Lab Saleme, foi preso por agentes da Delegacia do Consumidor (Decon) da Polícia Civil do Rio de Janeiro durante a primeira fase da Operação “Verum”, deflagrada nesta manhã.

A ação da polícia cumpriu quatro mandados de prisão preventiva e 11 de busca e apreensão na manhã de hoje. Ao todo, 40 agentes participam da ação. Ivanildo Fernandes dos Santos, responsável técnico do laboratório, também foi preso na operação. Além disso, o sócio Matheus Sales Teixeira Bandoli Vieira, filho de Walter, foi conduzido pela polícia para prestar depoimento.

Infecções por HIV ocorreram por erro de procedimentos visando lucro. De acordo com a polícia, houve uma decisão operacional na empresa contratada para fazer os testes, para que as checagens nos reagentes fossem alteradas, visando o aumento do lucro, em detrimento a segurança do processo. Isso teria prejudicado a segurança dos testes.

O Conselho Regional de Farmácia do Rio de Janeiro (CRF/RJ) afirmou que o laboratório responsável pelos testes errados de HIV, não possui registro como estabelecimento junto ao Conselho. Além disso, o órgão fiscalizador aponta que o laboratório também não possui farmacêuticos registrados, mas que a técnica em laboratório do estabelecimento possui inscrição ativa no CRF/RJ.

Um dos exames de sangue realizados pelo laboratório PCS Lab em doadores de órgão no estado do Rio de Janeiro, ao qual a CNN teve acesso a um trecho, mostra que o laudo foi assinado por uma profissional que usou o registro inativo de outra biomédica. O laudo foi assinado em maio deste ano por uma profissional identificada como Jacqueline Iris Bacellar de Assis, porém o número do registro no Conselho Regional de Biomedicina utilizado na assinatura pertence a outra profissional e está inativo desde junho de 2023.

As investigações continuam com a reanálise clínica de outros 300 testes, que envolvem outros pacientes que foram submetidos a procedimentos do mesmo laboratório, e serão testados novamente.

Outras possíveis infecções serão investigadas

A secretária de Estado de Saúde do Rio de Janeiro, Cláudia Mello, informou que 288 doadores que realizaram testes de HIV no laboratório PCS Lab Saleme entre dezembro de 2023 e setembro deste ano serão retestados após a constatação de erros nos resultados, que resultaram na infecção de pelo menos seis pessoas após transplantes.

“A ação de inspeção determinou a interdição do laboratório como um todo. Não só para esses exames. Ele (o laboratório) não funciona mais no estado e no país. Ele não pode prestar nenhum serviço”, disse.

O Ministério da Saúde solicitou a interdição cautelar do laboratório PCS Lab Saleme após as denúncias. Além da interdição, o ministério determinou que todos os testes de doadores de órgãos sejam realizados exclusivamente pelo Hemorio utilizando o teste NAT e ordenou a retestagem do material dos doadores do laboratório sob investigação.

O ministério também determinou que o grupo de pacientes receptores de transplantes de órgãos dos doadores infectados, bem como seus contatos, recebam total atendimento especializado.

O MP expediu uma recomendação, na noite deste domingo (13), para que a Secretaria de Estado de Saúde (SES-RJ) e a Fundação Saúde aprimorem as condutas nas análises de amostras de sangue, referente à Central Estadual de Transplantes (CET). O objetivo é evitar novos casos de pacientes transplantados com infecções.

A infectologista Luana Araújo, em entrevista ao CNN Prime Time, classificou o episódio como um “incidente pontual e criminoso”, ressaltando que não representa uma falha sistêmica no programa de transplantes do país.

O que diz o laboratório

Por meio de nota, o laboratório PCS Lab afirmou que abriu uma sindicância interna para apurar as responsabilidades. A empresa afirma que dará “suporte médico e psicológico” aos pacientes infectados e seus familiares.

O PCS Lab Saleme informou à CNN, em outra nota, que repudia a suposta existência de um esquema criminoso para forjar laudos dentro do laboratório. Leia abaixo:

“A defesa de Walter e Mateus Vieira, sócios do PCS Lab Saleme, repudia com veemência a suposta existência de um esquema criminoso para forjar laudos dentro do laboratório, uma empresa que atua no mercado há mais de 50 anos. Ambos prestarão todos os esclarecimentos à Justiça”.



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