“Desafios para valorização da herança africana no Brasil” foi o tema do Enem 2024, colocando em pauta uma questão de relevância histórica e cultural para o país. Em 2003 foi promulgada a Lei 10.639, que tornou obrigatória a inclusão da da história e cultura afro-brasileira e africana no currículo escolar, o que apesar de um avanço, não é realidade nas salas de aula do país, de acordo com professores.
O Primeira Página conversou com especialistas para entender a importância do tema da redação e como isso impacta nas discussões de identidade do Brasil.
Um pilar ignorado
A Dra. Cândida Soares, professora do Instituto de Educação da UFMT (Universidade Federal de Mato Grosso) e pesquisadora do Núcleo de Estudos e Pesquisas sobre Relações Raciais e Educação (Nepre), enfatiza que a herança africana não apenas compõe, mas é fundamental na constituição da identidade brasileira.
Segundo Soares, a cultura brasileira está enraizada nas contribuições africanas, que vão desde a culinária até o conhecimento técnico dos ciclos econômicos históricos, como o da cana-de-açúcar e o café. No entanto, ela alerta que, ao longo dos anos, essa herança foi frequentemente ignorada ou tratada sob uma perspectiva eurocêntrica.
“Quando pensamos no Brasil, somos ensinados a entendê-lo apenas por meio de uma matriz europeia, desconsiderando as contribuições indígenas e africanas, que foram e são centrais para a formação do país”, afirma Soares.
Educação e Lei 10.639: avanços e limitações
A legislação brasileira deu um passo importante em 2003 com a promulgação da Lei 10.639, que tornou obrigatória a inclusão da história e cultura afro-brasileira e africana no currículo escolar. Essa lei, ancorada na Constituição de 1988, representa uma tentativa de tornar o ensino mais inclusivo e de valorizar a diversidade cultural do país.
Entretanto, a historiadora Elaine Barros aponta que a implementação dessa lei ainda enfrenta diversos obstáculos, como a falta de formação específica para professores e a escassez de material didático atualizado.
Durante a experiência como educadora, Barros destaca que muitos livros didáticos ainda retratam o continente africano e a população afro-brasileira de forma estereotipada e limitada. “A representação sobre pessoas negras e o continente africano ainda é marcada por uma perspectiva negativa”, explica Barros.
Para ela, essa ausência de representações positivas impede que alunos negros e não-negros construam uma visão de mundo antirracista e que valorize as contribuições afro-brasileiras e africanas.
O que esperar para o futuro?
A Dra. Candida Soares ressalta a criação recente da Política Nacional de Equidade, Educação para as Relações Étnico-Raciais e Educação Escolar Quilombola como um avanço importante, mas reforça que há a necessidade de um compromisso mais firme e investimentos para uma educação antirracista e inclusiva.
Segundo ela, para que o Brasil se torne uma sociedade que valorize verdadeiramente suas raízes africanas, é preciso garantir que a diversidade seja refletida não apenas no currículo escolar, mas também na mídia, nas artes e nas instituições públicas e privadas.
Para Elaine Barros, as mudanças na abordagem escolar da história afro-brasileira são fundamentais para consolidar uma educação antirracista.
“Uma educação inclusiva, que valorize as raízes africanas, pode permitir que as novas gerações compreendam e respeitem a diversidade cultural brasileira, combatendo o racismo estrutural e promovendo a valorização da identidade afro-brasileira”.
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