Após duas décadas desde a criação do programa Farmácia Popular, e no contexto da recente ampliação promovida pelo Ministério da Saúde, com previsão de mais de R$ 5 bilhões em recursos para 2024, servidores do Departamento Nacional de Auditoria do Sistema Único de Saúde (Denasus) denunciaram fraudes no programa.
Com o auxílio da plataforma Pinpoint, uma ferramenta de jornalismo desenvolvida pelo Google, a CNN analisou relatórios de fiscalização elaborados por órgãos como o Denasus, o Tribunal de Contas da União (TCU), a Controladoria-Geral da União (CGU) e o Ministério Público Federal (MPF).
A plataforma permitiu a compilação e a leitura ágil de dados reunidos ao longo dos anos que embasam as investigações e corroboram as denúncias, revelando práticas como a emissão de receitas falsas, a falsificação de cadastros de farmácias e a comercialização de medicamentos que deveriam ser distribuídos gratuitamente.
Servidores do Denasus revelam que a falta de estímulo e recursos adequados para fiscalização facilita a continuidade dessas fraudes, comprometendo o objetivo do Farmácia Popular de garantir acesso a medicamentos essenciais, gratuitamente ou a preços reduzidos.
Entre as irregularidades, a CNN verificou estabelecimentos que antes eram farmácias, mudaram as razões sociais e mesmo assim continuaram recebendo recursos federais pelo programa.
Apesar das fragilidades já apontadas pelos órgãos de controle e das recomendações de correção, as denúncias indicam que as medidas sugeridas não foram adotadas pelo Ministério da Saúde.
Em 2023, antes da expansão do programa, o Ministério Público Federal questionou se o Ministério havia tomado as providências necessárias para conter as irregularidades.
A CNN procurou o Ministério da Saúde sobre os temas abordados nesta matéria, mas não recebeu retorno até a publicação. Caso haja resposta, a matéria será atualizada com a posição do órgão.
Desvios de R$ 2 bilhões em cinco anos
Uma auditoria realizada pela CGU, em abril de 2022, analisou 34.061 estabelecimentos credenciados no Farmácia Popular entre 2015 e 2020 e revelou um esquema de desvios que levou a um inquérito civil.
Segundo a investigação, esses estabelecimentos declararam vendas de medicamentos acima da realidade, gerando reembolsos indevidos por parte do governo federal, totalizando R$ 2,6 bilhões.
Em 2023, o TCU também sugeriu melhorias na gestão do Farmácia Popular após outra auditoria identificar falhas e vulnerabilidades no programa.
O ministro Vital do Rêgo, relator do processo, destacou a escassez de servidores para administrar e operacionalizar o programa, que conta com apenas um técnico do Ministério da Saúde na equipe.
Sucateamento da fiscalização
Servidores do Sistema Único de Saúde (SUS) apontam que o fortalecimento da fiscalização seria uma solução para mitigar os desvios. No entanto, para os auditores o esvaziamento de equipes revela a necessidade urgente de renovação do quadro de fiscais.
Segundo os servidores, que preferem não falar por medo de represálias, a recuperação de recursos poderia ser maior se houvesse investimentos adequados na fiscalização.
Em 2023, o Denasus realizou 55 auditorias e analisou mais de 413 relatórios, envolvendo R$ 200 milhões em recursos. O resultado foi a recomendação de devolução de mais de R$ 40 milhões aplicados indevidamente.
Os auditores também relatam que o SUS carece de uma carreira específica de fiscalização, sendo o trabalho realizado por processos seletivos internos, o que, segundo eles, enfraquece as atividades de controle.
O Unasus Sindical discutiu com o Ministério da Saúde, em 2023, a criação de uma carreira dedicada à auditoria do SUS. Em resposta, o sindicato informou que as negociações continuam em andamento.
Medidas para diminuir fraudes
Especialistas em auditoria do SUS sugerem medidas preventivas para diminuir as fraudes no Farmácia Popular. Uma dessas estratégias envolve o uso da plataforma “Meu SUS Digital”, onde os cidadãos podem controlar a retirada de medicamentos em seu nome.
O vídeo informativo produzido pelo sindicato dos servidores da auditoria do SUS orienta como qualquer pessoa, com cadastro no “gov.br”, pode ativar ou desativar a autorização para retirada de medicamentos gratuitos, proporcionando mais segurança contra fraudes