Donald Trump conquistou a maioria dos delegados eleitorais e será o próximo presidente dos Estados Unidos. Durante a campanha, o republicano prometeu abandonar o modelo de diplomacia adotado durante a gestão Joe Biden-Kamala Harris e disse que pretende instaurar uma versão turbinada do protecionismo caracterizado pelo mote “America First”, que guiou seu primeiro mandato, de 2016 e 2020.
Essa mudança de postura terá impactos reais na relação diplomática entre o Brasil e os EUA, avalia Bruna Santos, diretora do Brazil Institute do think tank americano Wilson Center. Parte desses reflexos se deve ao modelo transacional da diplomacia trumpista, onde as negociações se sobrepõem às relações de longo prazo construídas entre Estados.
“Na tradição diplomática brasileira e americana, essa lógica transacional é bem nova. o Brasil não opera desse jeito. O Brasil vai precisar entender o que quer dos EUA e, então, recalibrar a rota”, diz Santos.
Um dos resultados práticos dessa visão seria a implementação de uma tarifa de importação universal, que teria impactos, inclusive, nos produtos e serviços brasileiros, mas que seria maior para os produtos chineses.
“O aumento do protecionismo não é novo. Mas Trump acelera essa fragmentação. Em alguns setores, pode até ser benéfico, considerando os mercados que o Brasil pode ocupar por medidas que seriam impostas a outros países, como a China. Mas esses efeitos (negativos) vão acabar sendo sentidos muito na agenda de energia, biocombustível, ferro e aço. As empresas brasileiras serão obrigadas a entender como fazer negócio com base nessa nova realidade”, afirma Bruna Santos.
Política ambiental e o acordo de Paris
As promessas de campanha de Donald Trump também indicam que haverá uma mudança clara na diplomacia ambiental dos EUA. Foi durante a gestão Joe Biden que os Estados Unidos deram início a um pacote multitrilionário de transição energética — que ampliou os investimentos em energia verde e buscou ampliar a capacidade instalada de produção de carros elétricos nos EUA.
O republicano, por outro lado, que já afirmou que a energia verde não é uma de suas prioridades. E no cenário internacional pode reviver uma de suas principais decisões na diplomacia climática: abandonar o Acordo de Paris, que prevê metas ambiciosas de redução de emissões de gases causadores do efeito estufa.
O governo brasileiro, por outro lado, tenta se posicionar como potência ambiental diplomática.
Para Bruna Santos, essa será a principal divergência diplomática entre o governo Lula e a futura administração Trump.
“Vimos uma semelhança de política externa e interna grande entre Lula e Biden. A questão da transição energética e da mudança climática era uma construção de alianças, dentro da ONU, da COP, do G20… Agora, a gente pode esperar uma reconfiguração desse diálogo”.
Lula x Trump
Além das políticas públicas divergentes, há também divergências pessoais entre a Casa Branca e o Palácio do Planalto.
Durante a campanha, Lula manifestou apoio à adversária de Trump, Kamala Harris. E o filho do ex-presidente Jair Bolsonaro, Eduardo Bolsonaro, acompanhou a apuração dos votos na comitiva do republicano, na Flórida.
Essa distância deve se traduzir numa interação cada vez mais pragmática entre os dois países.
“O que eu antecipo é uma relação cordial, onde o Itamaraty vai tentar garantir que a relação bilateral não seja contaminada pela divergência política e ideológica. Já houve uma sinalização por parte dos diplomatas brasileiros em viagem aos EUA na continuidade do trabalho. Resta ver qual vai ser o jogo político que isso vai trazer pro dia a dia”, prevê a diretora do Brazil Institute.