No dia 24 de outubro deste ano a operação Ultima Ratio expôs a todo país um esquema de venda de sentença no mais alto escalão do TJMS (Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul). Entretanto, os primeiros indícios de corrupção dentro poder judiciário do estado foram encontrados anos atrás, em uma outra operação: a Lama Asfáltica.
Em 2016, o MPF (Ministério Público Federal) colocou um desembargador como suspeito pela primeira vez; só agora, 8 anos depois, o crime foi comprovado.
O magistrado citado na época é Vladimir Abreu, um dos cinco desembargadores afastados do cargo no mês passado.
Para explicar toda a história é preciso voltar para 2015, ano em que a Polícia Federal foi as ruas pela primeira vez para desarticular um grupo criminoso especializado em desviar recursos públicos através de fraudes em licitações e contratações públicas. A ação mexeu com grandes empresários da cidade, entre eles, João Amorim.
Na ação, o celular do empresário foi interceptado. Durante a análise das conversas, os policiais encontraram os primeiros indícios de corrupção entre os desembargadores do TJMS.
Primeiro ato
Nas investigações da Ultima Ratio, os policiais relembram uma conversa entre João Amorim e Ary Raghiant Neto, que na época atuava como advogado. Hoje, Ary ocupa o cargo de desembargador.
O diálogo ocorreu em fevereiro de 2014 e tratava sobre um processo contra a CG SOLURB. Na conversa, o advogado detalhou as ações de um promotor contra a empresa, mas garantiu que estava “tudo certo” porque já havia conversado com três desembargadores da 5ª Câmara Cível – Vladimir Abreu da Silva, Luiz Tadeu Barbosa Silva e Julio Roberto Siqueira Cardoso. Ele ainda reforçou que a “vitória” por maioria dos votos era certa: “2 a 1 é certeza”.
O julgamento do processo detalhado na ligação ocorreu cerca de um mês depois e assim como o advogado falou, os desembargadores, por unanimidade, negaram o recurso contra a empresa de Amorim.
Em toda a conversa, o advogado fez três promessas ao empresário. Promessas, que segundo a polícia, se concretizaram graças aos desembargadores.
Segundo ato – cassação
Em outra ligação interceptada pela polícia, João Amorim conversou com Osmar Domingues Jeronymo, na época Secretário de Estado da Casa Civil e atualmente Conselheiro do Tribunal de Contas de Mato Grosso do Sul.
O assunto em tela era a cassação de Alcides Bernal da prefeitura de Campo Grande.
Na época, Alcides Bernal já estava afastado do cargo e seu retorno dependia da Justiça. No dia 15 de maio de 2014, a Justiça de 1º Grau determinou que ele reassumisse a função, mas no mesmo dia, o desembargador Vladimir Abreu da Silva proferiu decisão monocrática para revogar a ordem.
Na conversa, Osmar Jeronymo deixou claro que passou a tarde com o desembargador para fazê-lo mudar a decisão de 1º Grau.
O titular citado na conversa é Divoncir Schreiner Maran, relator do processo. Como garantido por Osmar Jeronymo, o desembargador manteve a decisão do colega contra Alcides Bernal.
Outro ponto do diálogo que chamou atenção da polícia, é a relação de Osmar Jeronymo e os desembargadores. Para João Amorim, o atual conselheiro do TCE-MS, que também foi afastado do cargo pela Ultima Ratio, afirmou mais de uma vez que teve dificuldade em negociar com Vladimir, mas que foi possível graças a “conversas antigas, bons whisky’s tomados”.
Essas interceptações telefônicas foram compartilhadas com o Ministério Público Estadual e utilizadas na Operação Cofee Break – que apurou o suposto esquema de propinas e compra de voto na Câmara de Campo Grande para cassar Alcides Bernal.
As suspeitas contra Vladimir Abreu comunicadas em 2016 não foram para frente, acabaram arquivadas pela Procuradoria-Geral da República por “falta de indícios suficientes para abrir uma investigação criminal”.
As provas contra os desembargadores do Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul só ganharam força em 2021, com as apreensões feitas na operação Mineração de Ouro.
Agora, Vladimir Abreu, Osmar Jeronymo, Julio Roberto Siqueira Cardoso e Divoncir Schreiner Maran, somam a lista de alvos de busca e apreensão da Ultima Ratio.
Desde o dia da ação, a reportagem tenta contato com os envolvidos, mas sem sucesso. A defesa de Osmar Jeronymo, no entanto, afirmou que ainda não teve acesso ao processo e que em momento oportuno irá se pronunciar.