Dados obtidos com exclusividade pelo Primeira Página mostram que 2024 foi um ano nunca visto. De acordo com o levantamento do laboratório de Ciências Atmosféricas da UFMS (Universidade Federal de Mato Grosso do Sul), neste ano foram registrados os piores níveis de poluição do ar em Campo Grande entre os períodos analisados pelo núcleo especializado.
-
Tuiuiús levantam voo em meio à estrada e mostram Pantanal raiz à turista
-
Onça-pintada se exibe para turistas e cai de árvore no Pantanal; veja vídeo
O laboratório da UFMS faz a medição da qualidade do ar de Campo Grande desde 2021. Com uma série de dados a partir dessa época, o professor e coordenador do núcleo especializado em Ciências Atmosféricas, Widinei Alves Fernandes, conseguiu inferir o trágico 2024.
Entre uma das piores secas e exposto a condições climáticas adversas, este ano foi marcado pela escalada de queimadas em várias regiões do Brasil, em especial no Pantanal. Esse fogo foi responsável por elevar a poluição do ar da capital sul-mato-grossense a níveis nunca antes vistos.
2024 trágico
2024 foi o ano em que Mato Grosso do Sul sofreu com as consequências do fenômeno climático La Niña, que provoca o resfriamento do oceano Pacífico Equatorial Central e prejudica a distribuição das chuvas no centro-sul do país, incluindo o estado. O evento e outras condições climáticas adversas expuseram o Brasil a uma das piores crises climáticas já vivenciadas.
No Pantanal, os índices de queimada aumentaram de forma considerável. Em julho deste ano, o fogo foi tanto que superou o acumulado no mesmo período de 2020 – quando foi registrado o pior momento relacionado às queimadas em toda a história de registros sobre o bioma.
O fogo em 2024 foi destrutivo. Com o aumento considerável das chamas, a fumaça, como consequência, fez com que os índices de poluição do ar saltassem neste ano.
“Os dados mostram que ficamos expostos a um nível de poluição que não encontramos entre os anos de 2021 e 2023. Isso se deve ao período de seca extrema que atingiu o Brasil. O longo período seco favoreceu as queimadas. As queimadas levaram à atmosfera partículas muito finas. Em especial de Mato Grosso do Sul, queimadas de vários estados e outros países contribuíram para o aumento da poluição.”
Segundo o levantamento do laboratório de Ciências Atmosféricas da UFMS, foram registrados 23 dias em que a qualidade do ar esteve entre os níveis ruins e péssimos. O aumento de dias insalubres é de 666%, se comparado com os registros de 2023, quando apenas 3 dias foram considerados ruins em relação à qualidade do ar.
Outro dado alarmante: em 2024, foi registrado pela primeira vez, ao longo dos últimos quatro anos, um dia com a qualidade do ar considerada “péssima”. O dia específico foi 8 de outubro.
Períodos de seca e fogo antecipados
Através dos dados obtidos em primeira mão pelo portal, é possível identificar que houve a antecipação dos períodos de seca e queimadas. Desde 2021, quando o laboratório da UFMS começou a investigar a qualidade do ar de Campo Grande, os registros mais intensos de poluição ocorreram entre os meses de setembro e outubro.
Em 2021, houve um registro em outubro. Em 2022, 3 de setembro. Já no ano passado, foram 3 em novembro. 2024 alterou a tônica dos registros. O primeiro incidente de poluição do ar foi em 3 de agosto.
Depois, ao longo de agosto deste ano, foram registrados mais 2 dias insalubres. Em setembro, 15 dias com a poluição do ar em níveis prejudiciais à saúde. Já no mês passado, foram 5 dias, com o registro de 8 de novembro, quando o nível foi considerado “péssimo”.
“2024 foi um ano que nunca havia sido visto. De agosto a outubro, ficamos expostos a um nível de poluição que nunca tínhamos experimentado. Olhando para os dados, conseguimos ver a redução da visibilidade e também o risco à saúde humana”, explicou o professor Widinei.
Qualidade do ar
Os dados são coletados a partir de uma estação que fica na sede da UFMS, em Campo Grande. A qualidade do ar em várias cidades de Mato Grosso do Sul piorou de forma intensa neste ano. A condição insalubre no estado foi causada pelo acúmulo de queimadas na Bolívia, Paraguai, Pantanal e região Norte do Brasil.
Em setembro deste ano, em Corumbá, o ar ficou cerca de 25 vezes mais poluído do que o recomendado pela Organização Mundial da Saúde (OMS). Em Campo Grande, o estudo mede a concentração de partículas poluentes no ar. Essas partículas são oriundas de várias fontes, como queimas de combustíveis, queimadas e incêndios florestais. Em períodos de seca, há maior inserção de poluentes na camada baixa da atmosfera.
De forma sistêmica, o cenário de 2024 é ruim. Segundo o especialista, toda a população de Campo Grande foi exposta a uma situação insalubre e inalou partículas de fumaça.
“Não existe nível seguro para a exposição ao poluente. Quando se chega a uma condição moderada, alguns grupos já começam a sentir o efeito da concentração. Pessoas que têm asma conseguem sentir. Quando chega a uma condição ‘muito ruim’, toda a população pode sentir o efeito do nível de poluição.”
O especialista também ilustrou que a situação insalubre pode se arrastar nos próximos anos. Os episódios de poluição extrema podem ser piores, mais persistentes e intensos.
“Isso pode se tornar algo um pouco mais frequente. Os dados não mentem. Não conseguimos afirmar quando e como será. Mas é muito provável que esses períodos de seca prolongada causem situações piores. Era comum sabermos quando chovia. Se a chuva retardar, muito provavelmente teremos períodos longos que favorecem as queimadas”, prevê o pesquisador.