Bashar al-Assad não confidenciou a quase ninguém sobre seus planos de fugir da Síria enquanto seu regime entrava em colapso.
Em vez disso, assessores, autoridades e até mesmo parentes foram enganados ou mantidos no escuro, disseram mais de uma dúzia de pessoas com conhecimento dos eventos à Reuters.
Horas antes de fugir para Moscou, Assad garantiu em uma reunião de cerca de 30 autoridades do Exército e da segurança no Ministério da Defesa que o apoio militar russo estava a caminho e pediu que as forças terrestres resistissem, de acordo com um comandante que estava presente e pediu anonimato para falar.
Os funcionários civis também não ficaram sabendo.
Assad disse ao seu chefe de gabinete no sábado (7), quando terminou o trabalho, que iria para casa, mas em vez disso foi para o aeroporto, de acordo com um assessor de seu círculo íntimo.
Ele também ligou para sua assessora de imprensa, Buthaina Shaaban, e pediu que ela fosse até sua casa para escrever um discurso para ele, disse a assessora. Ela chegou e não encontrou ninguém lá.
“Assad nem sequer fez uma última resistência. Ele nem mesmo reuniu suas próprias tropas”, disse Nadim Houri, diretor executivo do think-tank regional Arab Reform Initiative. “Ele deixou seus apoiadores enfrentarem seu próprio destino.”
A Reuters não conseguiu contatar Assad em Moscou, onde ele recebeu asilo político.
Entrevistas com 14 pessoas familiarizadas com seus últimos dias e horas no poder pintam um retrato de um líder buscando ajuda externa para estender seu governo de 24 anos antes de recorrer à mentira e à discrição para tramar sua saída da Síria nas primeiras horas de domingo.
A maioria das fontes, que incluem assessores do círculo íntimo do ex-presidente, diplomatas regionais, fontes de segurança e altos funcionários iranianos, pediram que seus nomes fossem omitidos para discutir livremente assuntos delicados.
Assad nem mesmo informou seu irmão mais novo, Maher, comandante da 4ª Divisão Blindada de elite do Exército, sobre seu plano de saída, de acordo com três assessores.
Maher voou de helicóptero para o Iraque e depois para a Rússia, disse uma das pessoas.
Os primos maternos de Assad, Ehab e Eyad Makhlouf, foram igualmente deixados para trás quando Damasco caiu para os rebeldes, de acordo com um assessor sírio e um oficial de segurança libanês.
-
1 de 7
Uma pessoa ergue a bandeira da oposição Síria depois que rebeldes anunciaram que depuseram o presidente Bashar al-Assad, Líbano, em 8 de dezembro de 2024. • Reuters
-
2 de 7
Sírios se reúnem nas ruas de Aleppo para celebrar derrubada do regime de Bashar al-Assad • REUTERS
-
3 de 7
Civil faz sinal de “V” de vitória enquanto segura uma arma em Damasco • REUTERS
-
-
4 de 7
Moradores de Aleppo seguram a bandeira da oposição Síria durante comemoração da derrubada de Assad • REUTERS
-
5 de 7
Civis ateiam fogo em fotos em Homs, oeste da Síria • REUTERS
-
6 de 7
Centenas de sírios se reuniram e comemoram em Aleppo após queda do presidente da Síria • REUTERS
-
-
7 de 7
Mulheres comemoram queda do regime de Assad em Homs • REUTERS
A dupla tentou fugir de carro para o Líbano, mas foi emboscada no caminho por rebeldes que atiraram em Ehab e feriram Eyad, eles disseram. Não houve confirmação oficial da morte e a Reuters não conseguiu verificar o incidente de forma independente.
O próprio Assad fugiu de Damasco de avião no domingo, 8 de dezembro, voando às escuras com o transponder da aeronave desligado, disseram dois diplomatas regionais, escapando das garras dos rebeldes que atacavam a capital.
A saída dramática encerrou seus 24 anos de governo e o meio século de poder ininterrupto de sua família, e trouxe a guerra civil de 13 anos a um fim abrupto.
Ele voou para a base aérea russa de Hmeimim, na cidade costeira síria de Latakia, e de lá para Moscou.
O círculo íntimo familiar de Assad, a esposa Asma e seus três filhos, já estavam esperando por ele na capital russa, de acordo com três ex-assessores próximos e uma importante autoridade regional.
Vídeos da casa de Assad, gravados por rebeldes e cidadãos que ocuparam o complexo presidencial após sua fuga e publicados nas redes sociais, sugerem que ele fez uma saída apressada, mostrando comida cozida deixada no fogão e vários pertences pessoais deixados para trás, como álbuns de fotos de família.
Rússia e Irã não vieram ao resgate de Assad
Dessa vez, a Rússia e o Irã não viriam ao resgate. Em 2015, a intervenção militar russa e iraniana na Síria ajudou a virar o jogo da guerra civil em favor de Assad.
Isso ficou claro para o líder sírio nos dias que antecederam sua saída, quando ele buscou ajuda de vários setores em uma corrida desesperada para se agarrar ao poder e garantir sua segurança, de acordo com as pessoas entrevistadas pela Reuters.
Assad visitou Moscou em 28 de novembro, um dia após as forças rebeldes sírias atacarem a província de Aleppo, no norte, e atravessarem rapidamente o país, mas seus apelos por intervenção militar não ecoaram no Kremlin, que não estava disposto a intervir, disseram três diplomatas regionais.
Hadi al-Bahra, chefe da principal oposição da Síria no exterior, disse que Assad não transmitiu a realidade da situação aos assessores, citando uma fonte próxima de Assad e uma autoridade regional.
“Ele disse a seus comandantes e associados após sua viagem a Moscou que o apoio militar estava chegando”, Bahra acrescentou. “Ele estava mentindo para eles. A mensagem que ele recebeu de Moscou foi negativa.”
Saiba quem é o líder rebelde sírio e o grupo que derrubou Bashar al-Assad
O porta-voz do Kremlin, Dmitry Peskov, disse a repórteres na quarta-feira (11) que a Rússia havia se esforçado muito para ajudar a estabilizar a Síria no passado, mas sua prioridade agora era o conflito na Ucrânia.
Quatro dias depois daquela viagem, em 2 de dezembro, o ministro das Relações Exteriores iraniano Abbas Araqchi se encontrou com Assad em Damasco.
Naquela época, os rebeldes do grupo islâmico Hayat Tahrir al-Sham (HTS) tinham tomado o controle da segunda maior cidade da Síria, Aleppo, e estavam avançando para o sul enquanto as forças do governo desmoronavam.
Assad ficou visivelmente angustiado durante a reunião e admitiu que seu Exército estava muito enfraquecido para montar uma resistência eficaz, disse um alto diplomata iraniano à Reuters.
Assad nunca solicitou que Teerã enviasse forças para a Síria, de acordo com duas altas autoridades iranianas que disseram que ele entendia que Israel poderia usar qualquer intervenção desse tipo como uma desculpa para atacar as forças iranianas na Síria ou até mesmo o próprio Irã.
O Kremlin e o Ministério das Relações Exteriores da Rússia se recusaram a comentar esta reportagem, enquanto o Ministério das Relações Exteriores do Irã não estava imediatamente disponível para comentar.
Como Assad enfrentou sua própria queda?
Depois de esgotar suas opções, Assad finalmente aceitou a inevitabilidade de sua queda e decidiu deixar o país, encerrando o governo dinástico de sua família, que remonta a 1971.
Três membros do círculo próximo de Assad disseram que ele inicialmente queria buscar refúgio nos Emirados Árabes Unidos, enquanto os rebeldes tomavam Aleppo e Homs e avançavam em direção a Damasco.
Eles disseram que ele foi rejeitado pelos emiradenses, que temiam uma reação internacional por abrigar uma figura sujeita a sanções dos EUA e da Europa por supostamente usar armas químicas na repressão a dissidentes, acusações que Assad rejeitou como sendo uma invenção.
O governo dos Emirados Árabes Unidos não respondeu imediatamente a um pedido de comentário.
No entanto, Moscou, embora não estivesse disposta a intervir militarmente, não estava preparada para abandonar Assad, de acordo com uma fonte diplomática russa que falou sob condição de anonimato.
O ministro das Relações Exteriores da Rússia, Sergei Lavrov, liderou o esforço diplomático para garantir a segurança de Assad, envolvendo a Turquia e o Catar para alavancar suas conexões com o HTS para garantir a saída segura de Assad para a Rússia, disseram duas autoridades regionais.
Quem é a família de Bashar al-Assad, que governou a Síria por mais de meio século
Uma fonte de segurança ocidental disse que Lavrov fez “tudo o que pôde” para garantir a partida segura de Assad.
O Catar e a Turquia fizeram acordos com o HTS para facilitar a saída de Assad, disseram três fontes, apesar da afirmação oficial de ambos os países de que não tiveram contatos com o HTS, que é designado pelos EUA e pela ONU como uma organização terrorista.
Moscou também se coordenou com estados vizinhos para garantir que um avião russo saindo do espaço aéreo sírio com Assad a bordo não fosse interceptado ou alvo, disseram três fontes.
O Ministério das Relações Exteriores do Catar não respondeu imediatamente às perguntas sobre a saída de Assad, enquanto a Reuters não conseguiu entrar em contato com a HTS para comentar.
O último primeiro-ministro de Assad, Mohammed Jalali, disse que falou com seu então presidente por telefone na noite de sábado, às 22h30.
“Em nossa última ligação, eu disse a ele o quão difícil era a situação e que havia um enorme deslocamento (de pessoas) de Homs em direção a Latakia… que havia pânico e horror nas ruas”, disse ele à TV saudita Al Arabiya esta semana.
“Ele respondeu: ‘Amanhã, veremos’”, acrescentou Jalali. “‘Amanhã, amanhã’, foi a última coisa que ele me disse.”
Jalali disse que tentou ligar para Assad novamente ao amanhecer no domingo, mas não obteve resposta.