José “Pepe” Mujica, ex-presidente do Uruguai, foi uma figura chave na eleição presidencial de seu país este ano e, apesar dos problemas de saúde que tem enfrentado nos últimos meses, continua concedendo entrevistas e opinando sobre a realidade mundial. Consciente de que está na reta final de sua vida —completando 90 anos em maio de 2025 —, ele deixa respostas tão afiadas quanto aforismos.
Na pequena fazenda onde vive recebeu a CNN para falar não só sobre o governo eleito e os populismos de direita, mas também sobre a existência de Deus e sua morte.
“A vida é a aventura das moléculas”
Mujica, que em agosto afirmou ter se curado do câncer de esôfago, mas que como consequência da radioterapia agora sofre de “uma patologia renal”, contou a Darío Klein, da CNN, que tem um buraco por onde lhe dão comida.
“Os que me trataram do câncer disseram que já matamos o câncer… O que não me disseram é que deixaram um buraco assim e que tem que ser preenchido… e a reprodução celular em um idoso é um desastre. Então, estou lá, tapando o buraco.”
“O que sinto é que me falta força. Ando uma hora no trator e fico exausto, tenho que deitar um pouco”, disse. “Minha juventude se foi. Por isso, brigo com os jovens: eles não dão valor ao que têm, não percebem.”
E, nesse aspecto da última fase da vida, Pepe Mujica reflete e diz que, para ele, Deus não existe. “Pessoalmente, penso que a vida é a aventura das moléculas e que este pedaço do planeta que estamos mordendo é o paraíso e o inferno, tudo junto”, disse.
“Viemos do nada e vamos para o nada. Mas tomara que eu esteja errado. Tomara que exista algo além e tudo mais, mas não acredito.”
Mujica, que em outubro deste ano disse estar “muito perto de empreender a retirada de onde não se volta”, garante que seu destino é ser enterrado embaixo de uma árvore em sua fazenda, onde está enterrada Manuela, sua cachorrinha que o acompanhou por 22 anos.
A vitória de Yamandú Orsi
Em meio aos seus problemas de saúde, Mujica participou brevemente da campanha que levou ao poder seu afilhado político, o presidente eleito do Uruguai, Yamandú Orsi, que venceu no segundo turno pelo Frente Amplio com 1.196.603 votos.
“As circunstâncias me deram um prêmio”, disse Mujica a esse respeito, e garantiu que fez apenas três atividades na campanha, afirmando que é mentira que ele tenha sido o responsável por toda a vitória.
“No final, não posso ter o maior prêmio do partido”, afirmou.
É um prêmio que, segundo ele, não imaginava quando, há quatro décadas, saiu em liberdade depois de passar 14 anos preso.
“Os populismos da direita”
Em meio às vitórias de políticos como Donald Trump, Nayib Bukele e Javier Milei, Mujica acredita que “esses populismos de direita têm muito a ver com o desaparecimento dos partidos. A política reduzida à aparição de grandes indivíduos que vão resolver tudo. Essa mitologia está substituindo o esforço coletivo dos partidos”, disse.
O ex-presidente criticou como as sociedades esqueceram o melhor do liberalismo — “os alicerces para enfrentar a tirania e o despotismo das sociedades aristrocásticas” — e agora essa doutrina se reduziu a uma equação econômica, o que ele chama de “economicismo”. E nessa crítica se inclui o presidente da Argentina, o libertário Javier Milei: “Aparecem alguns supostos liberais… libertários… caçadores, é como se quisessem caçar os ‘anarquistas’… há coisas que são insustentáveis”.
O Uruguai, que acaba de optar pela alternância após um governo do Partido Nacional — de centro-direita — para voltar à esquerda do Frente Amplio, tem, nas palavras de Mujica, “uma democracia com partidos sólidos”.
O ex-mandatário assegura que a chave da democracia — sejam seus líderes de esquerda, centro ou direita — é que haja rotação no poder e nas lideranças. “Senão, você carrega o risco das decisões e não aprende com os erros… veja o papelão que está fazendo Evo (Morales), na Bolívia.”
O motor da história, segundo Mujica
Para José Mujica, no obstante, o motor da história não é a política, mas o amor.
“(É) o motor da vida. O motor mais importante.”
“A natureza inventou a vida, que é maravilhosa. Mas todas as coisas vivas estão condenadas a morrer. Para sustentar o motor da vida, ela inventou o amor. Aí está… não haveria vida sem amor.”
*Com informações da CNN en Español