Sob pressão do real fraco, Milei terá um olho em Trump e outro no Brasil em 2025


O governo do ultraliberal Javier Milei, na Argentina, chega ao fim de 2024 com níveis de popularidade superiores aos obtidos por seus antecessores Alberto Fernández e Mauricio Macri para o mesmo tempo de gestão.

A inflação baixou para menos de 3% ao mês, o risco-país caiu dois terços, as finanças estão em ordem (depois de cortes draconianos nos gastos públicos), registra-se um superávit fiscal absolutamente incomum. A economia dá sinais — ainda incipientes — de ter deixado os piores dias para trás, com as perspectivas de uma boa safra agrícola e a produção de gás em alta.

Agora a principal ameaça para Milei, em 2025, está do lado de cá da fronteira. E não tem nada que ver com o abismo ideológico entre ele e o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT). Trata-se da desvalorização do real.

Existe hoje, em Buenos Aires, um fantasma que remete ao dia 13 de janeiro de 1999. Naquela longínqua quarta-feira, teve morte súbita o câmbio controlado no Brasil. Começou, então, o pesadelo argentino para manter a paridade peso-dólar. Como se sabe, terminou mal: houve “corralito” (bloqueio de depósitos bancários), maxidesvalorização, calote na dívida.

Voltemos ao presente. O real perdeu 25% de seu valor ante a moeda americana neste ano. Ninguém garante que não perderá ainda mais. Que o dólar não vai para R$ 7 em vez de voltar para R$ 5. Isso é um tiro com imenso potencial de dano na competitividade já debilitada do país vizinho.

O intercâmbio com o Brasil representa 30% de todo o comércio exterior da Argentina. Mais importante: equivale a uns 60% das exportações e importações de produtos industrializados. Se fica mais barato comprar pneus ou biscoitos brasileiros, por exemplo, as fábricas argentinas fecham turnos de trabalho.

O economista Alberto Cavallo, professor de Harvard e filho do ex-ministro Domingo Cavallo, comparou os preços do Brasil e da Argentina para uma cesta idêntica de alimentos, combustíveis e produtos eletrônicos. Chegou à seguinte conclusão: o Brasil está 19% mais caro, em dólares, do que a Argentina. Para quem viajava ao país vizinho e achava tudo uma pechincha, até recentemente, o quadro virou.

Aí é hora de retornar à análise política e enfatizar como a âncora cambial e o dólar administrado têm desempenhado um papel-chave no sucesso de Milei até agora.

Nominalmente, o peso a mais de 1.000 por dólar parece fraco. Mas não se deixe levar pela impressão. Ele tornou-se forte em termos reais porque sua desvalorização é insuficiente para compensar a inflação. Resultado: produtos e serviços importados muito baratos, poder de compra em recuperação, sucesso nos esforços do governo em conter a espiral de preços.

Até aí, tudo ótimo para Milei. O Índice de Confiança no Governo (ICG), medido pela tradicional universidade portenha Torcuato Di Tella, aponta uma aprovação 43% maior do que a medição de Alberto Fernández em dezembro de 2020 e 7% superior à de Macri em dezembro de 2016.

O combate à inflação é o motor da popularidade do libertário. Era a grande preocupação dos argentinos nas últimas eleições presidenciais e Milei está conseguindo domá-la. Ela caiu de 25,47% em dezembro do ano passado para 2,43% em novembro deste ano — evolução considerável para um período de 12 meses.

Inflação baixa (para padrões argentinos) requer peso forte. Um peso forte requer entrada maciça de dólares, o que não é o caso, ou controle da taxa de câmbio.

Quando seu maior parceiro comercial desvaloriza tanto a moeda, como tem acontecido com o real brasileiro, a tarefa de administrar o valor do peso fica muito mais complicada.

O governo Milei tem duas alternativas. A primeira é permitir um ajuste no câmbio e também desvalorizar. Dado o provável impacto na inflação, torna-se uma opção politicamente menos atrativa.

A segunda é buscar mais dólares. Para isso, um novo acordo com o Fundo Monetário Internacional (FMI) é crucial. A Casa Rosada já fala em um entendimento, no primeiro quadrimestre de 2025, para obter mais US$ 10 bilhões do Fundo.

Um problema é a eventual resistência da burocracia no FMI. A Argentina tem uma dívida superior a US$ 40 bilhões com o organismo. É natural que haja pouco apetite dos técnicos em Washington para ainda mais exposição a um país sul-americano com longo histórico de defaults.

Para dobrar a resistência, Milei conta com um superaliado: Donald Trump, que assume no dia 20 de janeiro. Ele está convencido de que o republicano, com quem tem relação estreita e afinidade ideológica, dará o empurrão necessário para destravar um novo acordo.

Eis o caminho mais provável para a Argentina em 2025: um empréstimo robusto do FMI, fôlego adicional para manter o peso valorizado, tentativa de baixar mais a inflação. E uma baita torcida, enquanto isso, para o Brasil dar certo.



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