Em 27 de dezembro de 2024, o jornal britânico The Guardian publicou um artigo de Robert Eggers. Ele falava sobre seu próprio filme e como o folclore do sudeste europeu foi usado como fonte para seu vampiro na refilmagem do clássico de terror Nosferatu, de 1922.
O diretor revelou que quando começou a escrever o roteiro, em 2014 (!), se preocupou muito por estar refilmando o filme mais influente sobre vampiros, baseado no livro mais influente sobre vampiros. E que, por isso, sempre teve em mente tornar seu Nosferatu num vampiro mais assustador possível.
E conseguiu!
Fã de vampiros desde os 9 anos de idade, Eggers fugiu dos sanguessugas galanteadores e bebeu do folclore do sudeste europeu para seu vampiro. Lendas da região falam em pessoas que morrem e se levantam para chupar o sangue de humanos.
Eles estão mortos, foram enterrados, sofreram com a putrefação. São corpos que andam.
Quase zumbis.
Não são galãs que brilham à luz do sol como Edward Cullen de Crepúsculo.
Então, Eggers fez de seu conde Orlok (não é Drácula, já explico) um gigante grosseiro, arrogante, machista, feio, sujo, extremamente forte, violento e sem compaixão nenhuma pela vida de seres humanos que, na opinião dele, só existem para servi-lo.
Afinal ele é um nobre. Exige ser chamado de lorde porque a linhagem dele o fez merecer tal título.
Coube a Bill Skarsgård, irreconhecível embaixo de tanta maquiagem, viver Orlok. O ator já tinha se dado muito bem interpretando outro ícone do terror, o palhaço Pennywise de IT, baseado no sensacional livro de Stephen King.
Se o palhaço tinha o sarcasmo como marca e era leve em seus movimentos, Orlok parece um trator enquanto se movimenta. Dono de uma voz assustadoramente rouca e de uma respiração que deixa a gente sem respirar.
O Nosferatu original, vivido por Max Schreck também era assustador, sem dúvida, com seu crânio alongado, os dentes da frente como os de um rato, braços de tamanho desproporcional e garras gigantes. Mas o corpo magérrimo demonstrava uma fragilidade que, na minha opinião, não funcionaria nos dias de hoje.
Ainda mais que essa imagem já foi copiada em outras refilmagens.
Que bom que Eggers não importou a figura bizarra do clássico e nem seguiu a tendência de fazer vampiros bonitões.
Apesar da história ser praticamente igual, há outra diferença importante.
O filme de 1922 é considerado um dos marcos do expressionismo alemão. Filmado em preto e branco e sem diálogos, abusava das sombras como elemento de terror. E usou cenários retorcidos para representar medo, angústia. Um retrato da Alemanha da época, derrotada na Primeira Grande Guerra e mergulhada numa escuridão sobre o futuro.
As sombras continuam. Mais como homenagem. Atrás da cortina, nas garras gigantescas da criatura.
Apesar de o mundo hoje também estar com muitas dúvidas sobre o rumo que vai tomar, Eggers focou mais na beleza gráfica do filme. Afinal, é uma história de amor – cheia de sofrimento, claro, mas é preciso muito amor para se aceitar um destino tão tenebroso quanto o da protagonista.
Cenários, figurinos, locações, iluminação. Tudo perfeito. As cenas são um espetáculo para os olhos.
Nosferatu foi uma adaptação não-oficial do romance Drácula (1897), de Bram Stoker.
Os nomes dos personagens foram modificados. Por isso, Drácula virou Orlok. Jonathan, Thomas, Mina, Ellen e assim por diante.
Mas isso não adiantou para convencer os herdeiros do escritor irlandês, já falecido na época de lançamento do filme.
A pedido da viúva de Stoker, a justiça determinou a destruição de todas as cópias do Nosferatu antes de seu lançamento. O filme só sobreviveu porque os produtores, espertos, espalharam o filme pelos cinemas do mundo.
Até o Brasil foi contemplado.
Em 1927, nossos conterrâneos puderam assistir à saga do advogado que precisa viajar semanas de cavalo até um castelo na Transilvânia para pegar a assinatura do conde no contrato de compra de uma propriedade na Alemanha.
Mas o vampirão quer muito mais que um simples papel do visitante.
Resolve aprisionar o rapaz e rumar com seu caixão, de navio, para a Alemanha.
O conde não foi sozinho.
Levou consigo destruição, morte e milhares de ratos contaminados pela praga.
Um caos.
Na cidade e na vida do casal.
Responsável por filmes diferentes e cultuados, como A Bruxa (2015), O Farol (2019) e O Homem do Norte (2022), Eggers, com certeza, vai ganhar projetos com orçamentos muito mais polpudos daqui pra frente.
O diretor de 41 anos deu aos amantes do terror um ótimo começo de ano.
E jogou uma grande sombra de responsabilidade sobre as outras produções aguardadas para 2025.
Que venham com estacas – e várias outras armas – afiadas para derrotar esse vampiro.