Respeite o sonho que te custou o mundo

Jaqueline Naujorks


Eu tinha 21 anos no dia em que decidi que não suportava mais a vida que levava. Não podia mais pagar faculdade, estava cansada de passar necessidade e de ser humilhada por gente que me tratava mal porque eu não tinha nada, nem defesa. Tem coisas que só quem veio de baixo consegue reconhecer direito: desprezo, desdém, soberba.

Era menina, morava numa cidade pequena no interior do RS e sofria todo o preconceito do pacote: o pai do meu namorado da época achava que eu era uma aproveitadora e queria engravidar do filho dele. Fui demitida porque a esposa do dono da empresa tinha ciúme. Na entrevista de emprego, assédio era de lei. No dia em que uma pessoa riu de mim porque em toda festa eu usava a mesma roupa, decidi que nunca mais permitiria que alguém me pisasse. Puxei o freio de mão da minha vida, subi num ônibus e saí daquele lugar decidida a calar a boca de todo mundo sem nunca mais lhes dirigir uma palavra.

Muita gente me chamou de louca. Muita gente riu de mim. Muita gente me tratou mal por não ter a mesma coragem.

Em Campo Grande trabalhei muito, paguei faculdade, peguei muito 070 lotado à noite. Saía de madrugada e chegava quando não tinha mais ninguém na rua. Dormi 3 horas por noite durante anos, tive gastrite, só comia na faculdade antes de pagar a mensalidade porque depois não sobrava. As roupas foram as mesmas durante anos. Foi ali que entendi que ninguém se importa tanto assim com as suas dores, e muitas vezes simplesmente NÃO VAI ter alguém para te dar apoio. Você vai ter que aprender a se curar sozinha e isso é o básico, não o extraordinário.

Ralei muito, comecei a carreira sozinha, conquistei cada coisinha com paciência e cabeça fria, sempre praticando a coisa mais preciosa que aprendi nessa vida: as pessoas vão tentar te destruir, quem dá a elas o poder de conseguir ou não, é você.

Hoje, olho para esses 23 anos que se passaram e minha primeira reação é me envolver em um abraço gritando “nós conseguimos”! Lembro do rosto de cada pessoa que me humilhou lá atrás e não sinto mais vontade nenhuma de mostrar que venci. A opinião delas não faz mais diferença para mim há muito tempo. Elas passaram como outros passarão, eu continuo passarinho.

A gente tem que se dar o direito de não admitir o que não merece. Nunca tive nada de graça e não aceito que me tratem como se a humanidade fosse credora do que tenho de bom. Você precisa respeitar o sonho que te custou o mundo e valorizar seu próprio esforço nas vitórias. Elas são suas! Não foi sorte, não foi benevolência, foi luta. Sua luta! Só você sabe o preço que pagou.

Seu carro novo, sua casa, sua viagem para a praia, suas férias fora do país, sua cirurgia plástica, seu novo amor, seu cabelo com progressiva cara, sua bolsa comprada em 12 vezes, seu trabalho, o peso que você perdeu, suas noites de festa, você não merece que olhem para isso com rancor, mas as pessoas VÃO olhar. É você quem precisa fechar os olhos e os ouvidos e seguir em frente. Se proteger vai muito além de um sinal-da-cruz ao sair de casa.

Para tudo que você é, tudo que você tem, toda felicidade vai fazer acordar uma frustração em alguém. Ser humano é isso. A gente precisa aprender a tocar a vida entendendo o quanto dói no outro a oportunidade perdida, o fracasso amargo, a vitória que não veio, e tá tudo certo. Cada um tem suas limitações e isso não é problema seu, mas cabe a você ter empatia suficiente para se importar.

Só quem saberá seu real valor é você. O reconhecimento que não vem de fora, tem que vir de dentro e isso não é autoajuda, é sobrevivência. Se você não se celebra, seu brilho vai sumindo, e um futuro apagado não pode ser o pagamento de quem lutou uma vida inteira para fazer alguma diferença no mundo. Se você acha que isso é pouco, bem, um único vaga-lume em uma mata escura é capaz de iluminar o caminho sozinho.

Acima de toda a dor que carregamos, a gente tem que aprender a se parabenizar. Se abraçar por mais um dia: para quem enfrenta a depressão, a vitória de sair da cama. Para o doente, a vitória de conseguir dormir. Para o enlutado, transmutar a dor em saudade. Para a mulher exausta, o sonho que motiva começar tudo de novo amanhã. Chorar olhando bem dentro dos seus olhos no espelho porque só você vai entender o quanto te custou cada coisinha boa.

Sua colcha de retalhos de lutas só faz sentido para você, e ela vai te cobrir nas noites difíceis. Amar-se é assumir que você tem o direito de ser feliz com as suas coisas, suas opções e suas pequenas vitórias sofridas.
E ser.
E pronto.

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