A difícil missão de criar meninos num mundo de violência doméstica


Televisão ligada naquele fim de tarde de mais um dia com denúncia pública de violência doméstica e agressor impune. Na reportagem, o rosto da vítima ensanguentado.

Caetano fitou a tela e eu deixei.

Menino brincando (Foto: Reprodução)

— Mamãe, é sangue na moça?

— É filho.

— Ela caiu?

— Não.

— Então o que foi?

Pensei um segundo, mas não titubeei.

— Um homem bateu nela.

Os olhões de jabuticaba dele não piscaram.

Continuei.

— E sabe o que acontece com homem que bate em mulher, meu filho? Vai preso!

Infelizmente, a matéria era justamente um protesto da vítima à soltura do algoz. Mas é muito explicar isso para um menino de três anos e meio. Prossegui a prosa dizendo que não se pode bater em absolutamente ninguém, especialmente em mulheres.

Que existe uma lei que nos protege e quem a infringe, “a polícia leva”. Quando o assunto são as Forças, os guris se interessam. Ah, claro, são meninos, né?

Não e sim.

Não, porque não se trata de nada biológico. Os garotos não querem ser policiais, bombeiros, marinheiros porque está no DNA. Não é da natureza do homem.

  1. Privação de sono: a tortura mais eficaz contra mães exaustas

E aí entra o sim: garotos são incentivados a isso desde que nascem. Como mãe de menina e menino, posso apontar a discrepância desde roupas, livros lúdicos e até brinquedos. Se para eles a temática é carrinho (de polícia e bombeiro, principalmente), foguete, dinossauros, para elas é unicórnio, arco-íris, coração.

Acho que nunca vi uma fantasia de policial para meninas. Aliás, a presença feminina nas Forças ainda é recente e em menor número. Mulheres na linha de frente da proteção, combatendo, pilotando, enfrentando, são praticamente novidade.

Na infância sequer somos instigadas a sonhar neste sentido.

A elas cabe a fragilidade do mundo cor-de-rosa. Aí nasce a medição de força, o sentimento de posse, cujo resultado nós sentimos – literalmente- na pele todos os dias.

Nas entrelinhas da infância que a mensagem é cravada: homens são fortes, mulheres frágeis. E a conta não fecha quando a vida adulta chega. A força vira posse. A fragilidade vira prisão.

A missão, então, está aí. Criar nossos meninos conscientes de que se deve respeitar o limite, o próximo, o ser humano.

De que mulheres não são um bem.

De que não é não, simples assim.

Saindo da teoria e aplicando em casa.

Os criando como seres funcionais que limpam, cozinham, se viram para sobreviver ao invés de deixar às meninas da casa o cuidado geral. O exemplo também deve ser mostrado. Mulheres respeitadas e tratadas em pé de igualdade. Pais que dividem afazeres domésticos e cuidados com os filhos são espelhos, na prática.

E o reflexo é o que vai salvar nossos meninos e meninas dessa realidade surreal que só em 2025 já enterrou seis mulheres em Mato Grosso do Sul.



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