Abel Ferreira e o machismo cafona no futebol


Se você é mulher e vive no país do futebol, deve ter visto em algum lugar a repercussão da fala absurda do técnico do Palmeiras, Abel Ferreira, a uma jornalista que lhe fez uma simples pergunta durante uma coletiva, logo após a partida contra o Cuiabá.

Uma pergunta normal para qualquer repórter que cobre Esportes, mas que jamais teria resposta semelhante se ela fosse um homem:

“Há uma coisa que vocês têm que entender. Eu tenho que dar satisfações para a três mulheres só: minha mãe, minha mulher e a presidente do Palmeiras, que é a Leila”, disse Abel.

Ora treinador, se você não vai dar satisfações sobre o time para uma repórter, que diabos está fazendo em uma coletiva de imprensa?

Abel Ferreira – técnico do Palmeiras. (Foto: reprodução/internet)

A colega, Alline Fanelli, ficou tão estupefata que não soube como reagir no momento e não a julgo, talvez eu também não conseguisse dizer uma palavra. Tem cenas que são tão inacreditáveis que a gente fica sem reação mesmo.

Depois que internet e a imprensa começaram a se manifestar, Abel se desculpou dizendo que “essa ideia já estava em sua cabeça e naquele contexto soou infeliz”. Bem, peço licença aos queridos palmeirenses para usar esse péssimo exemplo, porque não podemos ser tão vergonhosamente hipócritas. Isso aqui nunca foi sobre contexto. O machismo no futebol nunca foi velado.

Neste ponto, a internet tem um papel crucial. Numa roda de amigos já ficou feio você questionar a mulher usando camiseta de time se ela sabe o que é impedimento. É nas redes sociais que esse chorume todo aparece sem censura, em comentários horríveis de homens detonando qualquer mulher que ouse se meter no seu campinho: jogadoras, árbitras, narradoras, jornalistas, presidentes de clube. Nenhuma escapa desse sexismo cafona, ultrapassado e descabido no futebol em pleno 2024.

Renata Silveira, uma narradora extraordinária, precisou deletar sua conta no X (o antigo twitter) de tantas mensagens de ódio que recebeu. Elas não são isoladas. Homens se unem em grupos para xingar com perfis fakes, até robôs entram nesse circuito. De que adianta ser tão boa no que faz, ser reconhecida e ganhar oportunidades, se qualquer sucesso seu será visto como afronta?

Onde já se viu, ouvir um jogo do seu time narrado com voz de mulher? Isso é um ultraje! Por esse crime cometido contra a masculinidade, de se meter a trabalhar com futebol, você será condenada pelo tribunal dos haters ao ataque eterno, sem qualquer direito a defesa. Sendo competente como narradora, você vai ouvir xingamentos que nenhum homem, por mais sem talento que seja, jamais ouviria.

Se for muito apaixonada por futebol, vai ter que provar mil vezes mais que tem conhecimento técnico suficiente para trabalhar com isso – e mesmo que consiga, nunca será o bastante. Você estará proibida de cometer qualquer deslize. Se confundir um nome, uma regra, por uma desatenção qualquer, esse ato falho vai anular toda a sua carreira. Eles não vão deixar barato.

Pergunte para qualquer repórter mulher que cobre Futebol, o que ela já teve de enfrentar para simplesmente fazer seu trabalho. Se pisar em um estádio usando batom já faz de você um alvo de assédio, imagine estar do lado de dentro do campo, fazendo as perguntas espinhosas que a torcida gostaria de fazer, ou sendo a porta-voz da fala orgulhosa do time campeão na casa do adversário?

Na coletiva de Abel, me chamou a atenção uma outra parte em que ele responde, também ao questionamento dessa voz feminina, que gostaria que as pessoas entendessem o que é o trabalho de um treinador. Fiquei pensando com meus botões… Inúmeros técnicos já passaram pelos times que a gente acompanha e os questionamentos sempre foram os mesmos, a torcida quer ouvir o que o responsável pelo time tem a dizer sobre tudo. Fazer essas perguntas é função dos jornalistas. Será que nós não conhecemos o trabalho do técnico, ou o técnico é que não conhece o trabalho da imprensa?

O tom de Abel não foi de desabafo, foi condescendente. Se ele está estressado pela sua função, emocionalmente pressionado, precisa procurar maneiras de lidar com esse sentimento e não descontar nos jornalistas. É como xingar o carteiro por trazer a fatura do seu cartão estourado. Duvido muito que ele teria “desabafado” desse jeito se a pergunta tivesse sido feita por um homem.

O machismo no futebol não é triste, é ridículo. Tosco, brega, bobo. Um comportamento perpetuado por gerações de homens que acham lindo vestir a filha com a camiseta do time, mas não dão a ela o direito de comentar o jogo porque mulher não entende de futebol. Já deu, né?

Esse espaço é igual corredor de ônibus lotado. A mulherada vai ocupar esse lugar, vai ficar, e quem se incomodar que dê licença. A gente não vai descer. Cultura machista se muda assim, se a delicadeza do silêncio após a grosseria não for suficiente, a gente resolve no grito.

  1. Haters, muito obrigada!

  2. Mulheres no esporte: Brasil é ouro com elas





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