O presidente Andrés Manuel López Obrador e sua futura sucessora, Claudia Sheinbaum, têm algo em comum: um projeto político. Ao mesmo tempo, possuem diferenças marcantes. Ela é uma destacada cientista. Ele é um líder político e social. O mundo está atento a como será o estilo de governo de Sheinbaum uma vez que assuma o poder.
Analistas consultados pela CNN apontam que não haverá uma grande diferença entre o atual governo e o que será liderado por Sheinbaum, pois acreditam que ela estará à sombra da política impulsionada por AMLO, como é conhecido no México, enquanto outros consideram que ela governará com independência e terá seu próprio estilo. Na CNN, analisamos em que se assemelham e em que se diferenciam.
Um mesmo projeto e um longo caminho compartilhado
A grande coincidência entre López Obrador e Sheinbaum é o projeto da quarta transformação, que coloca especial interesse na população mais desfavorecida, nos povos indígenas, na justiça social, na distribuição de riqueza e na recuperação do papel do Estado na coordenação de setores como a economia, segundo o próprio AMLO.
Esse projeto é acompanhado pelo eixo do “humanismo mexicano”, um conceito que, segundo López Obrador, consiste em distribuir a riqueza e atender prioritariamente a população mais pobre, e que Sheinbaum adotou como parte de seu discurso.
Ambos os políticos compartilharam caminhos e ideais por mais de 20 anos.
“Ela é a filha política de López Obrador em todos os sentidos”, disse à CNN o analista político David Mendoza Santillán. “Ela o acompanhou em sua luta desde a universidade e em movimentos de esquerda.”
Trabalharam juntos quando ele foi chefe de Governo do então Distrito Federal (agora Cidade do México) e a nomeou titular da Secretaria do Meio Ambiente. Ela o acompanhou em suas três campanhas para a presidência, de 2006 a 2018, quando venceu as eleições.
Em 2011, fundaram juntos o Movimento Regeneração Nacional, Morena, sob o ideal compartilhado de “lutar para mudar o regime de corrupção, antidemocracia, injustiça e ilegalidade”, segundo o site do partido.
“Foi muito interessante e emocionante conversar com a virtual presidenta eleita do México, Claudia Sheinbaum Pardo. Somos amigos e, junto a milhões de companheiras e companheiros, de baixo para cima e entre todos, iniciamos a Quarta Transformação em benefício do nosso amado povo”, escreveu López Obrador em 10 de junho em uma publicação no Instagram após uma reunião com a também ex-chefe de Governo da capital.
Diferente trajetória política e formação acadêmica
Quando se trata de diferenças, uma das principais é a acadêmica. “López Obrador surgiu da política tradicional e é um líder político e social muito operacional, enquanto Sheinbaum tem se dedicado mais ao trabalho acadêmico e universitário”, opina Mendoza Santillán.
Sheinbaum dedicou grande parte de sua vida ao ensino universitário, e seus estudos se concentraram em energias renováveis e mudanças climáticas.
Para Mendoza Santillán, doutor em Ciência Política, uma demonstração disso foi o recente anúncio dos primeiros seis membros de seu gabinete, que inclui nomes como Rosaura Ruiz Gutiérrez, à frente da nova Secretaria de Ciência, Humanidades, Tecnologia e Inovação, e Juan Ramón de la Fuente para a Secretaria de Relações Exteriores (SRE), ambos com uma longa trajetória científica e acadêmica. Ele ressaltou que será necessário esperar os próximos nomes.
A personalidade é outra diferença. López Obrador se mostra à vontade e tende a discursos longos e ambíguos, enquanto Sheinbaum “é mais técnica e acadêmica, vai direto ao ponto e aos dados concretos”, opina Mendoza Santillán.
Sheinbaum tem um estilo direto e cauteloso com a imprensa: quando os jornalistas insistem em determinados pontos, ela geralmente não fornece mais informações e se mostra precavida.
“AMLO é mais visceral e ela é muito mais reflexiva sobre as coisas que vai dizer ou não. Ela é muito concreta e direta, e não tem o estilo de López Obrador, que, se for insistido, pode fornecer as informações que pedem”, detalha.
Enquanto o presidente tem conduzido conferências de mais de três horas, as de Sheinbaum – desde seu governo na capital mexicana e como futura presidenta – duram entre 30 e 40 minutos.
López Obrador é originário do município de Macuspana, Tabasco, no sudeste do México, filho de trabalhadores dedicados ao comércio de alimentos e outros produtos, em uma família humilde com seis irmãos, segundo um documentário sobre sua vida em seu canal no YouTube.
A próxima presidenta descende de uma família judia de avós que migraram da Europa. Seus pais são cientistas e tiveram três filhos.
Sheinbaum é uma mulher de “primeiras vezes”: foi a primeira a se inscrever no doutorado em Engenharia Energética da UNAM, a primeira a governar a alcaldia de Tlalpan, a primeira eleita para liderar a Cidade do México e agora se tornará a primeira presidenta do México.
Outra disparidade importante entre ambos é seu enfoque em questões ambientais. Ao contrário de López Obrador, a cientista afirma que seu governo impulsionará as energias renováveis, a eficiência energética, além da construção de usinas fotovoltaicas e eólicas, entre outras.
Continuidade ou mudança?
Mendoza Santillán, especialista em temas de governabilidade, aponta que, embora Sheinbaum tenha afirmado que governará com um selo próprio, é necessário lembrar que ela terá “diques internos no Morena que a lembrarão que o projeto da quarta transformação está sustentado por uma base que foi construída de 2018 a 2024 sob a política de seu mentor”.
Em contraste, o jornalista Jorge Zepeda, um dos biógrafos de Sheinbaum, especulou que, uma vez que assuma o cargo, ela irá gradualmente implantar sua própria plataforma: primeiro atuará como “a fiel discípula do líder”, antes de oferecer “vislumbres” de seu próprio programa, tendo cuidado para não agitar a instabilidade na base do movimento.
Já como vencedora das eleições presidenciais, Sheinbaum começou a materializar sua promessa de continuar o caminho traçado por AMLO. A ex-chefe de Governo da Cidade do México anunciou no início de junho que priorizaria cinco reformas que compõem o chamado “plano C” do presidente: a reforma do Poder Judiciário, a não reeleição, além dos programas sociais para apoiar mulheres entre 60 e 64 anos, o direito a bolsas de educação, e a reforma da lei do Instituto de Segurança e Serviços Sociais dos Trabalhadores do Estado (ISSSTE).
Ela também antecipou que, a partir de 1º de outubro, buscará consolidar a transferência da Guarda Nacional para a Secretaria da Defesa Nacional, uma iniciativa também impulsionada pelo tabasqueño.
Carlos Illades Aguiar, historiador e professor titular da Universidade Autónoma Metropolitana, disse anteriormente à CNN que é possível um mudança de regime, mas será necessário esperar tanto as contribuições de Sheinbaum por seu perfil técnico e científico, quanto o que deixa López Obrador, como, por exemplo, as reformas já propostas.
Enquanto isso, com o anúncio progressivo dos secretários de seu governo, Sheinbaum começará a delinear a direção de seu mandato. E será a partir de 1º de outubro, após sua posse, que se verá quão distante ela se coloca de seu antecessor.