Tocar as pessoas através da escrita é uma das vocações do jornalista Michel Pena. Depois de enfrentar um problema de saúde delicado neste ano ele decidiu retomar um hobby desenvolvido durante a pandemia de covid.
Com tinta, cera e caneta bico de pena, o jornalista escreve cartas para amigos, familiares e até desconhecidos. Recebê-las é como fazer uma viagem no tempo através das palavras, relembrando um passado distante em que este era o principal meio de comunicação.
Escrever teve um papel terapêutico para o jornalista durante a crise sanitária gerada pela covid-19. Mas no período em que todo o mundo tentou se aproximar do outro, através da internet, Michel foi na contramão. O jornalista começou a escrever bilhetes à mão e enviá-los, por meio de fotografias.
“Depois ficou adormecida a minha intenção. Em março e abril deste ano eu passei por dois procedimentos cirúrgicos sérios e foi aí que surgiu o desejo. Decidi então voltar a escrever para as pessoas que amo, conheço e também para as desconhecidas”.
Michel Pena, jornalista.
Michel teve que ficar três meses afastado do trabalho, enquanto se recuperava das duas cirurgia na coluna lombar para corrigir uma hérnia de disco.
“Eu senti a necessidade de conversar com as pessoas, mas de uma forma mais intimista. Para escrever e ler uma carta, é preciso dedicação e as telas interferem nesse contato. Além disso, é nostálgico receber uma um envelope que não seja um boleto”.
Michel Pena, jornalista.
Michel quis mesmo ir fundo na nostalgia. A técnica usada por ele é inspirada em prática milenar, quando escritores utilizavam literalmente penas para escrever cartas. A haste oca da pena funcionava como um pequeno reservatório de tinta, que permitia um “efeito fino-grosso” do traço.
Com o passar dos anos o instrumento rudimentar foi substituído por uma caneta equipada com reservatório de tinta, também conhecida como “bico de pena”. Apesar da adaptação o efeito do traço ainda é praticamente o mesmo.
A técnica também é trabalhosa o jornalista leva em média 1h para concluir cada carta.
Já a cera utilizada no selo pode ser feita através de uma mistura de giz de cera e bastão de cola quente derretidos, ou ser comprada pronta pela internet. O emblema ainda leva a letra inicial do nome de Michel.
Ou seja, o método exige muita paciência e meticulosidade. Tão importante quanto a mensagem é o cuidado com a forma para que cada carta, surta um efeito diferente no destinatário.
“Quando se escreve uma mensagem por aplicativo escrevemos frases curtas e menos elaboradas. Para escrever uma carta é necessário pensar o que será dito porque aquilo ficará guardado na memória da pessoa e pelo tempo”.
Michel pena, jornalista.
Para exemplificar a resistência das palavras frente ao tempo, Michel cita papiro escrito entre os séculos 4º e 5º, guardado em uma biblioteca em Hamburgo, na Alemanha, cuja mais recente análise revelou ser aquela a cópia mais antiga conhecida de um evangelho sobre a infância de Jesus Cristo.
“Ou seja, apesar de ser apenas um fragmento, a mensagem está lá e chegou até hoje. Então, escrever uma carta é delicado, exige concentração total ao texto para imprimir o sentimento, o momento e o desejo para escrever”.
Michel Pena, jornalista.
Michel conta que a primeira carta que ele escreveu foi para o marido dele. Em seguida elas foram enviadas para outros familiares e amigos.
“Eu escrevi com a caneta bico de pena e tinteiro e lacrei com o selo de cera. Foi uma surpresa para ele. Eu lembro que escrevi, revisei a carta três vezes antes de fazer a versão definitiva, tamanha era a ansiedade”.
Michel Pena, jornalista.
Recentemente, Michel divulgou o hobby dele através do Instagram e se disponibilizou a escrever cartas para os amigos dele, ou mesmo para quem ele nunca viu pessoalmente. O jornalista já recebeu mais de 100 pedidos.
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“Vou levar muito tempo para escrever todas elas. Eu não conheço intimamente grande parte dessas pessoas e isso é um desafio. Para ultrapassar essa barreira eu tenho pesquisado sobre cada uma delas olhando as redes sociais delas e tentando identificar elementos para compor a carta, como cidade em que mora, se tem família, amigos, filhos e profissão”.
Michel Pena, jornalista.
O hobby de Michel também exige paciência dos nostálgicos que pedem para receber uma carta do jornalista. A espera, contudo, vale a pena.
“Geralmente as cartas demoram uma semana para chegar ao destino e depois ela ficam paradas na caixa de correio do destinatário, porque é incomum receber uma carta nos dias de hoje. Então eu preciso administrar a minha ansiedade e deixar que a carta chegue até a mão da pessoa por ‘meios próprios’, sabendo que a minha parte eu fiz”.
Michel Pena, jornalista.
Na atualidade em que até as palavras são instantâneas e viajam na velocidade de um clique, Michel compartilha afeto exaltando a poesia de um hábito esquecido no tempo.
“Os retornos que tive foram que as pessoas ficaram felizes, emocionadas e com muita nostalgia. Uma amiga disse que chorou no dia em que leu a carta e também no seguinte relembrando o que estava escrito. Fico feliz por saber que o que escrevi tocou no coração da pessoa”.
Michel Pena, jornalista.
20 anos depois…
Moradora em Santa Fé do Sul, São Paulo, a costureira Cristiane Aparecida Donadi de Jesus, prima de Michel não recebia uma carta escrita à mão há pelo menos 20 anos.
“Eu senti muita alegria. Me fez relembrar o passado de quando a gente se comunicava por cartas. Hoje nós entendemos o valor. Era emocionante tanto para quem esperava receber a carta quanto para quem estava enviando, aguardando a pessoa receber. Foi muito bom receber essa carta. Nossa, fiquei muito feliz”.
Cristiane Aparecida Donadi de Jesus, costureira.
Na opinião de Cristiane, as cartas tornam a mensagem ainda mais simbólica.
“Até prefiro por cartas. A carta acho que tem mas sentimento, da até pra passar um ‘perfuminho’. Na minha época de moça, recebia cartas, sei bem a diferença”.
Cristiane Aparecida Donadi de Jesus, costureira.