Quem visita a Esplanada Ferroviária de Campo Grande se depara com parte da memória da capital de Mato Grosso do Sul ainda preservada. Os paralelepípedos, as casinhas e casarões, e o que restou dos trilhos e vagões, são resquícios da Estrada de Ferro Noroeste do Brasil, a NOB, que foi um divisor de águas para o desenvolvimento do antigo Mato Grosso.
Mas, há traçados da extinta NOB em Campo Grande que, além de não serem vistos a olho nu, também foram apagados da história. São quilômetros de ferrovia por onde um dia passaram toneladas de mercadorias e que, hoje, deram lugar ao asfalto, a milhares de residências e empresas.
A descoberta foi feita pelos pesquisadores responsáveis por livro que é um verdadeiro estudo detalhado sobre a importância arquitetônica, histórica e cultural das principais estações ferroviárias de Mato Grosso do Sul.
Este 12 de outubro, Dia de Nossa Senhora Aparecida e das Crianças, também marca os 110 anos da Estação de Ligação, que integrou a capital de Mato Grosso do Sul com as linhas de ferro que cortavam o interior do estado.
110 anos das ferrovias x abandono
Situada a cerca de 28 quilômetros de Campo Grande, foi na Estação de Ligação, próxima à BR-262, na saída para Três Lagoas, onde se fundiram os trilhos de duas frentes de construção da ferrovia.
A Estação de Ligação era o ponto de intersecção entre as ferrovias de Porto Esperança, em Corumbá, e a que foi construída a partir de Três Lagoas.
Se hoje em dia não é tão difícil encontrar as ruínas da antiga estrada de ferro, o mesmo não se pode dizer dos trilhos da antiga NOB. Em Campo Grande, são inúmeras as ruas e avenidas que antes estavam no trajeto do trem.
A imagem abaixo, de 1966, permite vislumbrar alguns desses pontos.
O traçado vermelho no centro da fotografia é a avenida Rita Vieira, uma das principais de Campo Grande. Quem mora na Rua Luís Charbel, no bairro Vila Vilas Boas; na Rua do Dinar, no bairro Vila Carlota; ou na Rua Rogério Cavalari, no Loteamento Cristo Redentor, por exemplo, vive onde antes passava o trilho da antiga ferrovia.
Confira abaixo
Ao contrário da Esplanada Ferroviária, onde é evidente a lembrança da NOB, nestes bairros que compõem a região do Bandeira, em Campo Grande, já não há quase nada que remeta à ferrovia.
Escondida em região de mata, ao lado da Rua Varsóvia, entre as ruas Seramis e Salomão Abdala, a Estação Ferroviária Manoel Brandão padece diante da passagem do tempo.
Se a olho nu já é quase impossível encontrar qualquer resquício da Estrada de Ferro Noroeste do Brasil na região, também não há registros oficiais desse trecho da ferrovia documentados pelo poder público.
Ou melhor, não existiam até o arquiteto e urbanista Bruno Silva e um grupo de pesquisadores mapearem o “trecho fantasma” da NOB em Campo Grande, durante levantamento que compõe o livro “Estudo arquitetônico e histórico-cultural de estações ferroviárias da Estrada de Ferro Noroeste do Brasil em Mato Grosso do Sul”.
De acordo com Bruno, a fotografia aérea que mostra os trilhos já desativados, é um dos poucos – senão o único – registro fotográfico de um traçado de aproximadamente 6 quilômetros de ferrovia, que passava por bairros como Jardim Mansur, Vila Carlota, Tiradentes, Universitária, Itamaracá, Vila Doutor Albuquerque e adjacências.
Outro trecho de aproximadamente nove quilômetros da rodovia passava por onde hoje ficam bairros como o Residencial Vivendas do Parque, Oiti, Maria Aparecida Pedrossian e Jardim Samambaia.
A partir da fundação da Estação de Ligação, em 12 de outubro de 1914, seis traçados da Estrada Ferro Noroeste do Brasil passaram a funcionar a todo vapor, integrando Campo Grande com o interior.
A ferrovia campo-grandense operou até meados da década de 1950, quando foi desativada, e os trilhos deram lugar à urbanização crescente da capital de Mato Grosso do Sul.
“São dois ramais que, se você procurar nos mapas de Campo Grande, não aparecem. Se você pesquisar nos dados da prefeitura, também não encontra, porque são muito antigos. É uma informação que, em tese, teria se perdido. Mas, a partir dessa imagem, nós buscamos conversar com os ferroviários, que realmente confirmaram que existiu esse traçado.”
Bruno Silva, arquiteto e urbanista.
O dia 12 de outubro também marca os 110 anos da Estação Lagoa Rica, que é uma das mais emblemáticas de Campo Grande, além das estações Balsamo, Alegre e Ribas do Rio Pardo, no município de mesmo nome, a 86 quilômetros da capital.
Cento e dez anos após a sua fundação, todo esse patrimônio ferroviário não operacional encontra-se em estado de degradação, constatou a pesquisa.
Responsável por interligar Campo Grande ao desenvolvimento que avançava na velocidade dos trens, a Estação de Ligação é um retrato do abandono. Restam um trecho do trilho, barracão caindo aos pedaços e caixa d’água com o emblema da NOB.
Para acessar o livro com toda a pesquisa encabeçada por Bruno, basta acessar este link.
A equipe responsável pelo projeto é composta ainda por arquitetos, urbanistas, engenheiro civil, antropóloga e historiadores.
Ao longo de 116 páginas, os pesquisadores se debruçaram a relatar as principais características de 12 traçados ferroviários de Mato Grosso do Sul.
O primeiro volume do projeto foi lançado em janeiro de 2023, e uma continuação da pesquisa também será publicada no ano que vem, com mais detalhes sobre os outros 8 traçados ferroviários de Mato Grosso do Sul.
O estudo arquitetônico, histórico e cultural abrange trajetos da antiga ferrovia de MS que passavam por cidades como Terenos, Miranda, Corumbá e distritos de Piraputanga, Camisão e Palmeiras, entre outros.
Todo o projeto é custeado com recursos do FIC/MS (Fundo de Investimentos Culturais de Mato Grosso do Sul).
Acompanhe o projeto através deste link.