No ano em que a Rua 14 de Julho renasceu, mas também atraiu reclamações pelo movimento e o som que agita a noite de quem curte os bares, Campo Grande deixou de discutir a legislação que poderia apaziguar os ânimos entre moradores e empresários: a lei do silêncio.
A Câmara Municipal de Campo Grande finalizou esta semana os trabalhos legislativos de 2024 sem debater o tema. Com isso, a revisão da lei em vigor desde 1996, quando Campo Grande tinha apenas 520 mil habitantes, ficou para o ano que vem. A prefeitura se movimentou para atualizar a lei este ano, enviou para a Câmara a proposta, mas o projeto não foi apreciado.
“A legislação que chegou para a análise dos vereadores estava endurecendo um pouco mais a lei hoje em vigor, tanto na questão do zoneamento quanto em decibéis. O projeto deu entrada em um mês e, no outro mês, já foi arquivado após a retirada do poder executivo. Nós, aqui da Comissão de Justiça, assim como a Comissão de Cultura, estávamos organizando uma audiência pública específica para discutir essas alterações do projeto. E quando o projeto foi retirado, deixamos para fazer essa discussão em um momento mais pertinente.”
Otávio Trad (PSD), Presidente da Comissão Permanente de Legislação, Justiça e Redação Final.
Dados da Polícia Militar apontam que, entre janeiro e novembro deste ano, das 8.234 ocorrências geradas, em Campo Grande, pelo 190, 1.508 foram solicitações de perturbação do sossego. Números que superam os de violência doméstica (1.357) e vias de fato (1.006).
O que diz a lei atual
A lei do silêncio regulamenta a emissão sonora na região urbana durante o dia e a noite. O texto estabelece que é proibido perturbar o sossego e o bem-estar público com ruídos, vibrações, sons excessivos ou incômodos de qualquer natureza, produzidos de qualquer forma, que contrariem os níveis máximos de intensidade.
Os limites variam de acordo com o turno e a região urbana. Pela manhã, tomando como referência áreas residenciais, o limite é de 55 decibéis. Já à noite, não pode ultrapassar 45 decibéis.
A legislação é de março de 1996, há 28 anos. De lá para cá, a capital se desenvolveu e quase dobrou de tamanho, chegando a quase 1 milhão de habitantes, segundo o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística).
“Eu recebi essa semana vários comerciantes e a gente vai cobrar. Tem que ser votado urgentemente, e a sociedade tem que participar ativamente para entender o que é bom para eles e o que é bom para os comerciantes. O projeto será discutido no início do ano, porque tem que vir. A prefeitura não pode esconder esse projeto. É um projeto que tem que vir naturalmente.”
Vereador Carlão (PSB), presidente da Câmara de Vereadores.
O projeto da lei do silêncio está sob elaboração da Planurb (Agência Municipal de Meio Ambiente e Planejamento Urbano). O órgão elabora as regras para atualizar a regulamentação. O texto definitivo deve ser entregue para análise da Câmara no primeiro semestre de 2025.
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O setor de bares e restaurantes reclama da falta de critérios para as notificações, que se tornaram frequentes para os empresários da Rua 14 de Julho, por exemplo. A principal rua do comércio de Campo Grande ganhou status de ponto cultural entre os frequentadores, a partir da instalação de vários bares.
O movimento intenso de pessoas, no entanto, desagradou moradores. Diante das dezenas de reclamações, a Polícia Militar se vê obrigada a agir, pondo fim na diversão nos fins de semana de maior movimento. A Comissão de Cultura da Câmara cobra uma legislação específica.
“Queremos, na próxima legislatura, trabalhar incansavelmente para que esses problemas sejam resolvidos.”
Ronilço Guerreiro, vereador.
Impasse
As reclamações também chegam dos bairros. Uma moradora do bairro Vida Nova 3, que pediu para não ser identificada, enfrenta som alto constante na vizinhança. Ela disse que já denunciou várias vezes, mas o problema não é resolvido.
“Olha, já faz mais de seis anos que a gente vem sofrendo todos os dias, sem hora certa. A gente tem reclamado de perturbação de som. Tudo quanto é tipo de perturbação, ficamos aqui à mercê, como se a lei valesse para todo mundo, menos para a gente.”
Moradora do Vida Nova 3.
A delegada da Deops (Delegacia Especializada em Ordem Política e Social), Deborah Mazzola, explica que a perturbação de sossego é uma contravenção que se enquadra nos crimes de menor potencial ofensivo.
A pena é de multa e, em casos específicos, pode resultar em prisão de até 30 dias. A delegada defende uma legislação clara para evitar conflitos e até mesmo facilitar o trabalho da polícia.
“As cidades têm um plano diretor, que é uma lei urbanística que faz a divisão da cidade por setores. A cada nova gestão, há a possibilidade de alterações, e essas modificações por vezes causam desacordos entre os munícipes, porque uma área que antes era industrial começa a virar mista, uma área que era comercial passa a ser mista, mista de quê? Com residências. Assim, as partes começam a entrar em conflito. O ideal seria que aquele plano diretor fosse mantido, ou então fortalecido com a característica de cada setor: o setor industrial, o setor residencial. Quando ele começa a mudar de forma aleatória, esse tipo de conflito tende a aumentar.”
Deborah Mazzola, delegada da Deops (Delegacia Especializada em Ordem Política e Social).