A professora Emy Mateus Santos, de 25 anos, se tornou alvo de ataques após receber os alunos fantasiada no primeiro dia de aula em uma escola pública de Campo Grande. Um vídeo da educadora, fantasiada de “Barbie”, foi compartilhado nas redes sociais e, horas depois da publicação, a jovem sofreu dezenas de ataques virtuais, inclusive de parlamentares de Mato Grosso do Sul.
Conforme a servidora, a fantasia foi sugerida pela própria direção da escola como uma forma descontraída de receber os alunos na primeira semana de aula. A atividade ocorreu sem críticas, seja por parte dos alunos, pais ou direção.
A publicação da educadora viralizou na internet. A jovem conversou com o Primeira Página e relatou que ela e uma outra professora foram fantasiadas para recepcionarem os alunos, a pedido da coordenadora pedagógica da escola.
“Como eu acredito no trabalho lúdico para trazer mais conexão com as crianças, despertar o interesse pelos estudos, falei que poderia ir sim, até emprestei uma tiara para outra professora. A minha aula não tinha nenhuma relação com a fantasia, eu ministrei a aula conforme o meu plano de aula, que passou pela coordenação. Fizemos uma dinâmica em que eu era apresentadora e entrevistava os alunos para que eles se apresentassem”
Emy Mateus Santos, professora.
A atividade foi compartilhada nas redes sociais. Horas após a postagem, políticos usaram o vídeo para questionar a abordagem da professora, além de proferirem falas transfóbicas, como Emy relembra.
Professora comentou ataques
![Design sem nome 2025 02 12T202636.147](https://media.primeirapagina.com.br/pp-prod-container/2025/02/Design-sem-nome-2025-02-12T202636.147.jpg)
A professora dá aulas de Arte e Dança há dois anos na rede municipal de ensino de Campo Grande, desde que foi aprovada em processo seletivo da Semed (Secretaria Municipal de Educação).
Conforme Emy, a fantasia foi apenas uma ferramenta lúdica. A servidora explica que apenas seguiu o plano de aula, que passou pela coordenação.
“Trabalhar com o que eu amo e poder ser quem eu sou é muito especial. Recebo muito amor e afeto dos alunos, sem nenhum tipo de preconceito”.
Emy Mateus Santos, professora.
A repercussão nas redes sociais gerou debate político em relação a aula ministrado por Emy. A professora comenta ter sido atacada por políticos e ter sofrido transfobia por parte de parlamentares de Mato Grosso do Sul.
“A minha identidade de gênero não interfere na qualidade do meu trabalho, estamos falando como se a minha identidade interferisse no meu trabalho. Foi crime de transfobia. A minha documentação está toda certa. A escola respeita o meu gênero como mulher trans”.
Emy Mateus Santos, professora.
A professora, no entanto, não registrou boletim de ocorrência sobre os ataques sofridos. Vale lembrar que, em 2023, o STF (Supremo Tribunal Federal) reconheceu a homofobia e a transfobia como crimes de injúria racial.
Polêmica
O primeiro parlamentar a criticar a atividade foi o deputado João Henrique Catan (PL), que usou a tribuna da ALEMS (Assembleia Legislativa de Mato Grosso do Sul) para falar, de forma distorcida, sobre o vídeo publicado por Emy. Veja a sessão no vídeo acima.
Na sequência, o vereador André Salineiro (PL) protocolou pedido de esclarecimentos da Semed (Secretaria Municipal de Educação) e postou vídeo criticando a atitude da professora.
O vereador Rafael Tavares (PL) postou um vídeo nas redes sociais comentando o caso. Nas falas, ele chamou a professora pelo pronome masculino e insinuou acusações contra a educadora. O político também pediu a abertura de um procedimento administrativo para averiguar a aula ministrada por Emy.
O que diz a Semed
Em nota, a Semed informou que “diversos professores adotam o uso de fantasias e caracterizações como recurso pedagógico, buscando tornar o processo de ensino mais lúdico, dinâmico e envolvente para as crianças, desde que vinculado ao plano de ensino e currículo”.
A secretaria ainda esclareceu que, “após os levantamentos, abrirá procedimento administrativo para maiores averiguações, com o objetivo de garantir a transparência e a correção dos fatos, caso estejam em desacordo com as diretrizes curriculares e normas disciplinares”. Leia a nota na íntegra abaixo:
“A Secretaria Municipal de Educação de Campo Grande (Semed) informa que está ciente da situação mencionada. Em tempo, é importante destacar que diversos professores adotam o uso de fantasias e caracterizações como recurso pedagógico, buscando tornar o processo de ensino mais lúdico, dinâmico e envolvente para as crianças, desde que vinculado ao plano de ensino e currículo. Além disso, a Secretaria Municipal de Educação esclarece que, após os levantamentos, abrirá procedimento administrativo para maiores averiguações, com o objetivo de garantir a transparência e a correção dos fatos, se desacordo com as diretrizes curriculares e normas disciplinares. Permanecemos à disposição para quaisquer esclarecimentos adicionais”.
Sindicato dos professores repudiou parlamentares
A ACP (Sindicato Campo-grandense dos Profissionais da Educação) também emitiu nota de repúdio contra os ataques à professora. Confira a nota na íntegra:
“O respeito deve prevalecer em relação a toda e qualquer manifestação artística dentro do ambiente escolar, especialmente quando esta tem como objetivo proporcionar uma educação lúdica e acolhedora para as crianças em seu primeiro dia de aula. Nada justifica um ato covarde que tenta criminalizar o exercício do magistério e disseminar preconceito e desinformação. A ACP reafirma seu compromisso com a defesa dos direitos humanos, da diversidade e do respeito à dignidade de todos os profissionais da educação. O ocorrido não apenas configura um ato de desrespeito e transfobia, mas também fomenta o ódio e a intolerância, indo na contramão dos princípios fundamentais de uma sociedade democrática e inclusiva. A ACP reforça a necessidade de combater toda e qualquer forma de preconceito, garantindo que a escola continue sendo um espaço de acolhimento, aprendizado e respeito à diversidade. Precisamos estar atentos a esses ocorridos e abertos ao debate amplo e responsável.”