Se for mãe, não sente na saída de emergência


O sol nascia alaranjando o horizonte, quase uma oração ao tempo. Eram 4h30 de um sábado de novembro muito aguardado por essa mãe que vos escreve. Bilhete comprado desde março, hotel reservado, ingressos pagos. Tudo planejado, a não ser o implanejável. Me colocaram na saída de emergência, justo eu, tão avessa a aviões.

Vista da janela de um avião, próximo da asa e da saída de emergência (Foto: Jéssica Benitez)

Quando veio a frase “tripulação preparar para decolagem”, é que a ficha caiu. E o nó subiu. Subiu até a garganta. Tentei disfarçar. Simulei um ataque de tosse na fracassada ideia de justificar minhas lágrimas. Não teve jeito. Sozinho, desatou nos olhos. 

Pensei, “o comissário que perguntou se eu estava apta a sentar na saída de emergência vai me julgar”. 

Não deu outra! 

– moça, está tudo bem?

De resposta, dei um sim, muito embargado. 

– tem certeza?

Outro sim, nada convincente.

– Vou te trazer um copo d’água assim que decolarmos.

E trouxe. Muito gentil. Sorte!

O que ele não sabia é que, muito além do meu medo de avião, o choro era de uma mãe que pela primeira vez em quase cinco anos, viajava sem os filhos. Não eram (ainda) lágrimas de emoção pelo resgate do pouco da identidade de antes. Naquele momento, era mescla de culpa, medo… uma saudade estranha, nostalgia inversa, antecipada pelas 28 horas que ficaria longe.

Pouco, né? Você que me lê e não tem filhos, não vai conseguir mensurar bem e pode até abandonar a leitura, indignado com o drama materno. Poderia dizer que você não entende nada, contudo eu o faria 5 anos atrás, aliás, sequer dispensaria tempo lendo uma coluna sobre maternidade. 

Mas, do alto da minha alma aquariana e desprendida, te digo que ter filhos é carregar esse nó na garganta sempre. Ora mais, ora menos, oscilando entre poder e não poder fazer o que queres.

Eu estava prestes a ver Caetano e Maria cantar. Não os dois que cantam – e tocam – o terror lá em casa diariamente. E sim os irmãos baianos Caetano Veloso e Maria Bethânia. Um sonho de fã. De casal. De gente. Daquela lá no fundo, por debaixo das tantas camadas que soterraram a Jéssica da Era Pré-Maternidade. 

Mas o fato de não estar ali, a um telefonema de distância, como nas outras dormidas na vovó, me deixou em desespero. A certeza de que não daria para ir buscar a qualquer momento me tirou do eixo. Porém, reflexo desse reconvexo da vida. Essa que a gente tem a falsa impressão de estar ininterruptamente no controle. 

A sensação de não estar nos cuidados era como entrar num avião e confiar a vida a um terceiro, sem volta. Por fim, o pouso ocorreu. O voo foi sem intercorrências, assim como a viagem. O show sensacional, pudera! Sob a batuta daqueles que sabem como ninguém musicar o que a gente não consegue explicar. 

A volta, embora mais um perrengue para quem detesta aviões, foi com gosto de saudade, aquela contida no riso, aquela que ninguém viu. 

Saudade da Jéssica que reencontrei ao ouvir aquelas músicas em frente ao palco e saudade da versão que eu encontraria logo mais, em terra firme.

Desci, corri, abracei. Alegria! Alegria em sentir o cheirinho de filhos e perceber que, se a gente colocar na ponta do lápis, ter alguém cuja vida depende da sua existência (e vice-versa), nada mais é do que sentar na saída de emergência e estou aqui só pra te lembrar.





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