Traição, culpa e o direito ao esquecimento


A rede social é um ambiente fértil para o pior das pessoas. Onde se planta chorume, o que nasce é bate-boca, ranço e ansiedade. Para transitar no umbral digital você precisa ter um preparo emocional muito forte, ou então, vai sair de lá pingando ódio, num peculiar estado de esgotamento.

Estudo comportamento em rede social desde 2015 e o que mais me impressiona é que nesse ambiente, o fiel da balança é o ódio. A virtualização dos costumes, a chegada de novas redes, a comunicação extraordinariamente rápida, nada disso é páreo para a figura do hater. Em tradução livre significa “odiador”, ou seja, existem pessoas que estão ali apenas para odiar.

Fiquei impressionada com o poder dos haters na história da Iza (caso você esteja vivendo em Marte ou não se informe por meios virtuais, Iza é a cantora que foi traída pelo namorado, um jogador do Mirassol, aos 6 meses de gravidez). Já tinha visto movimentos parecidos em outros casos de grande comoção feminina nas redes, e não por acaso, com outro jogador de futebol – neste caso um mundialmente famoso com legiões de seguidores fiéis. Quase uma seita.

Iza, ao saber dos prints das conversas bem íntimas do seu boy desaplaudido com uma moça, veio a público e imediatamente disse que não eram mais um casal. Nada de novo sob o sol, se ela não estivesse grávida, um momento delicado e profundamente sensível na vida de qualquer mulher. Imediatamente, as redes sociais foram inundadas de vídeos de apoio a ela. No dia seguinte, os haters viraram a narrativa: disseram que Iza tinha traído o ex-marido com esse cara, e a traição era, portanto, a “lei do retorno”.

De Maria Madalena a Geni, a sociedade sempre terá uma pedra na mão para jogar na mulher, mesmo que ela tenha razão. Traída ou traidora, não importa a posição que você ocupe, a culpa sempre será sua, e o castigo agora vem da rede social.

Como se não bastasse a humilhação pública de ser traída e virar pauta de fofoca nacional, homens e mulheres se juntaram em coro para desacreditar essa mulher, fragilizada de mil maneiras, e colocá-la na posição de algoz. Surpreendendo zero pessoas, todo mundo passa pano para a traição, desde que ela seja cometida por um homem.

Tem um detalhe cruel sobre tudo isso, que provavelmente você nem se deu conta:
Se for traída amanhã, você terá direito a uma alforria bem específica: em 6 meses, ninguém mais vai lembrar dessa história. Seu constrangimento terá prazo de validade, e você terá direito ao esquecimento. A Iza não. A filha dela também não. Nala ficará eternamente registrada no google como a menina desrespeitada pelo pai ainda dentro da barriga.

Fiquei chocada como nem o estado de graça livrou a Iza desse esgoto psicológico que os seguidores submetem todo mundo, mesmo quem não usa redes sociais. Só de existir nestes tempos, você já corre o risco de virar meme ou ser cancelado.

Soltem essas pedras, pessoal.
Deem para a mulher machucada o direito de lamber suas feridas em paz, quieta, sem mergulhar essa alma no vexame em loop infinito. Deixem a moça salvar a beleza da gravidez sem essa tonelada de drama. Se até os bichos protegem as fêmeas que esperam filhotes, a gente poderia esperar um pouco mais de racionalidade de seres humanos, não é? Bem, talvez não.
Talvez não.

  1. A maravilhosa história dos camarões

  2. Davi e Mani: a desvalorização da mulher que já é sua





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