Adolescência é porrada necessária


Numa das primeiras cenas de Adolescência, policiais armados arrebentam porta de uma casa na Inglaterra. Neste momento, a minissérie produzida e exibida pela Netflix arromba, também, sua mente.

Tudo o que vem em seguida é uma montanha-russa de sentimentos – quase todos ruins – que retrata o estrago que a ausência de interação entre pais e filhos pode causar numa família.

O alvo da polícia não era o dono da casa, nem a esposa dele, nem a filha quase adulta.

Num quarto, no topo das escadas, a gente vê um pré-adolescente de 13 anos, assustado, acuado, com as calças molhadas por uma urina cheia de medo, receber voz de prisão e ouvir seus direitos da boca de um investigador criminal.

Jamie Miller é suspeito de matar uma colega de escola com 7 facadas na noite anterior.

Para os pais, tudo não passa de um engano. Afinal, como aquele menino tão bom pode ter assassinado alguém?

Como um pai, uma mãe, podem não conhecer o próprio filho?

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A dor que se alastra pelos quatro episódios é crescente.

E a maneira como o diretor Philip Barantini escolheu para contar esse drama criminal potencializa nossas angústias. A minissérie foi gravada em plano sequência, forma de filmagem em que não há cortes na edição.

Você está imerso naquele mundo, naquela cena. Tá lá dentro, do lado do personagem, quase tocando em seu ombro, sentindo o que ele sente.

Você fica atônito como o pai que precisa acompanhar o filho numa sala médica da delegacia, assistindo a ele se despir na frente de policiais para uma revista íntima.

Fica desesperado como a mãe que não pode entrar na cela para saber se o filho tomou o café da manhã após a invasão da casa às 6h da manhã.

Fica comovido ao ver um menino com medo de tirar sangue sendo acusado de ter jorrado o de uma menina horas antes.

Adolescência é uma porrada necessária.

Uma das cenas mais fortes; em frente à psicóloga, Jamie alterna momentos como criança frágil e como icel violento

A cada episódio você precisará parar e respirar.

E, pelo amor de Deus, refletir.

Você conversa com seu filho? Você sabe os sofrimentos que ele passa?

Você confia que ele está estável emocionalmente?

Fala que o ama?

Questionamentos que virão.

Com sorte, previamente.

Antes de apareceram num turbilhão de culpa após um acontecimento irreversível.

Eddie e Manda, os pais de Jamie, só percebem o quanto eram distantes no último episódio.

Quando todas as consequências desse comportamento são jogadas na cara da pior forma possível: numdia qualquer, numa situação simples de cotidiano.

Sufocante.

Cada episódio reserva um questionamento diferente.

O primeiro, o quanto conhecemos nossos filhos. Ou não conhecemos.

O segundo, o quanto o mundo deles – escola, rede social – é completamente desconhecido por nós. Um cenário assustador e sem esperança, dominado pela falta de respeito, pelo bullying intenso ¬e com linguagem própria em redes sociais. Cifrada por meio de emojis. Exposição pessoal e virtual sem freio, sem bom senso.

No terceiro episódio, quase todo passado numa sala onde a psicóloga tenta entender quem é o menino, o assunto é o quanto essa distância deixa nossos filhos à mercê de percepções que não são reais.

Claro, a criança não tem as experiências necessárias para refutar ou abraçar uma ideia por conta própria.
Se falam que sou assim, então, sou.

Como é triste assistir à cena em que Jamie afirma, em meio a rompantes de raiva e de tristeza, que é assim, fracassado, frustrado em suas relações amorosas, porque é feio.

De acordo com quem? Quem a condenou a essa certeza?

Olhem o peso que isso joga nas costas de uma criança desamparada!

Como é devastador saber que pais não tiveram a chance de apagar essa falsa percepção da cabeça do menino só porque nunca souberam que ele se sentia assim.

E não souberam porque nunca perguntaram, nunca acompanharam sua rotina, nunca falaram com seus amigos. Nunca estiveram presentes para dar o suporte que uma vida em formação tanto necessita.

Já parou para pensar que redes sociais, televisão, videogames e qualquer outro tipo de babá improvisada não podem te substituir?

Educar é apenas prover financeiramente as necessidades do filho?

Dar a ele o conforto que merece?

É assim que você pensa?

E o amor, a companhia, os conselhos?

Claro que seu filho vai dizer que está tudo bem ser como vem sendo.

Como o filho do investigador Luke Bascombe que tem dificuldade para falar com o pai ausente. Dificuldade até para aceitar um almoço sem se sentir constrangido por mudar a rotina tão intensa do pai com trabalho e academia.

Quantas vezes nos colocamos como prioridade em relação a nossos filhos?

Quantas vezes estamos disponíveis? Participamos? Interagimos? Compartilhamos?

Deveríamos ser seus melhores amigos, não?

Somos?

Os “bests” de Jamie são dois garotos também ridicularizados na escola.

Também frutos de pais ausentes.

Sem popularidade, são taxados de incels (celibatários involuntários) por colegas.

E passam a aceitar que são.

Esse termo é aplicado a homens que culpam as mulheres por seu fracasso sexual e passam a atacá-las, principalmente, em redes sociais.

Jaqueline Naujorks, em sua coluna desta semana, explicou muito bem esse tema. (leia aqui O que é incel?).

Oitenta por cento das mulheres do mundo se interessam apenas por 20% dos homens. Os outros precisam se unir para odiar e transformá-las em alvos de assédio, de stalking, de violência física.

É o mantra que seguem. Uma bobagem.

Que não tem qualquer comprovação científica.

Mas que torna seus seguidores uma ameaça. Real.

Que nasce e se espalha no quarto de seus filhos, dentro da falsa proteção de suas casas.

Você acompanha a vida virtual dele?

Jamie e o pai, Eddie, no dia em que foi preso por suspeita de homicídio de uma colega de escola (Foto: Divulgação)
Jamie e o pai, Eddie, no dia em que foi preso por suspeita de homicídio de uma colega de escola (Foto: Divulgação)

Depois que a internet entrou em nossas casas, qualquer estranho – bom ou mau – entra junto para ocupar espaços que deveriam ser dos pais.

Você pegaria o primeiro estranho que passasse na rua e confiaria a ele o trabalho de ser babá por uma noite de seu filho? Para que você pudesse sair e se divertir sem o estorvo de uma criança, um adolescente. Faria isso?

Sinto dizer, mas você faz isso o tempo todo simplesmente por deixá-lo à vontade e em privacidade com o notebook no colo sentado em sua cama.

A minissérie Adolescência vem para nos alertar.

Sem qualquer sutileza.

Que ainda dá tempo de salvar seu filho, sua família.

Ele não pode ser um estranho pra você.

Você não pode ser um estranho pra ele.

Em tempos de comunicação feita nas entrelinhas com o uso de emojis, uma boa conversa com todas as letras pode trazer seu filho de volta pra você.

Ainda mais se vier acompanhada de cumplicidade.

De beijos, abraços, elogios e apoio.



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