do apagamento histórico à energia masculina

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Se você é uma mulher racional, movida pela lógica, que não é dada a rompantes de emoção e nem grandes declarações de amor, tenho certeza que vai se identificar: mulheres racionais sempre serão taxadas de alguma coisa. A nova moda é dizer que têm “energia masculina”, o que é uma bobagem colossal. Não tem energia nenhuma movendo uma mulher que simplesmente age com a razão.

Isso tudo tem uma explicação: ao longo dos séculos, o Saber sempre foi relacionado ao homem. Os homens eram os pensadores, filósofos, escritores pintores, políticos e governantes, porque às mulheres não era permitido pensar, literalmente. Inúmeros nomes femininos foram apagados da história ou tiveram suas conquistas relegadas a um homem, que levou a fama, o dinheiro e o prestígio social.

Mesmo aquelas que marcaram seu nome nos livros, tiveram os feitos sublimados por esse véu emocional:
Cleópatra, uma das maiores estrategistas da história, sempre foi retratada como objeto de disputa amorosa entre Marco Antonio e Julio Cesar. A rainha Elizabeth I, que derrotou a Espanha com puro conhecimento, ficou conhecida como ‘A Rainha Virgem’, aquela que ninguém amou. Ana Bolena ficou mais famosa por ter sido amante e descartada como rainha, do que por sua inteligência e extraordinária diplomacia.

Da esquerda para a direita: Cleópatra, Elizabeth I, Ana Bolena e Hedy Lamar. (Reprodução/internet)

Você sabe conhece o nome de Mark Zuckerberg, criador do Facebook. Mas você conhece o nome da mulher que inventou o sistema de salto em frequência que deu origem a tecnologias de comunicação sem fio, como o wi-fi e o bluetooth? Hedy Lamar é o nome dela. Além de cientista, ela era atriz, uma das mulheres mais lindas do cinema e viveu um relacionamento abusivo com um nazista, magnata das armas. Adivinhe pelo quê Hedy ficou conhecida?

Grace Hopper foi a matemática que democratizou a computação ao liderar a demanda por linguagens de programação independentes após a Segunda Guerra Mundial. Elizabeth “Jake” Feinler foi a pioneira cientista da computação que manteve a primeira versão da internet no ar. Stacy Horn administrou de dentro do seu pequeno apartamento uma das primeiras redes sociais na década de 1980*. Por que não conhecemos o nome dessas mulheres como conhecemos o de Steve Jobs?

Se você rodar pela Europa, vai encontrar inúmeros bustos de homens com uma plaquinha relatando seus feitos, ainda que irrelevantes. Você não precisa ir até lá para saber que existem pouquíssimas estátuas femininas, inclusive no Vaticano.

Quer um exemplo? Giuseppe Garibaldi é um nome conhecido no sul do Brasil por ter lutado na Revolução Farroupilha e outros embates em SC, RS e no Uruguai, mas ele não fez isso sozinho. Sua mulher, Anita, guerreou junto com ele, inclusive na unificação da Itália. Anita morreu lá, fugindo após um combate grávida do 5° filho. Garibaldi tem em Roma, uma grande estátua em sua homenagem. Anita não. Em Tubarão (SC) cidade que um dia foi Laguna, onde ela nasceu, tem um pequeno monumento dedicado à “Heroína de Dois Mundos”.

Quer um exemplo mais atual? Quando se prepara para uma reunião em que vai apresentar algo e precisa ser ouvida por homens, você escolhe vestir aquela roupa estampada confortável que te faz sentir bem, ou escolhe uma camisa e um blazer? Pois é. Quanto mais masculina uma mulher parecer, mais chances ela tem de ser respeitada em um posicionamento racional. Com um pouco de sorte, ao defender um ponto ela será considerada forte e veemente, e não uma histérica de TPM.

Uma das minhas maiores esperanças com as redes sociais e o livre acesso à informação é de que nestes tempos, nenhuma mulher terá seus feitos apagados da história, ainda que seus contemporâneos não concordem. As mulheres vão contar esses feitos em vídeo e as meninas tratarão de viralizar. As heroínas do presente darão entrevistas em podcasts ou serão influencers de conteúdo, vão tocar no Spotify, terão sua própria página na Wikipedia, ganharão seu Oscar, serão aplaudidas na Bienal.

Se você buscar no google por Katalin Karikó, vai encontrar a mulher que recebeu o Nobel de medicina por ajudar a criar a vacina contra a covid. Se procurar por Jacinda Ardern, vai encontrar uma das melhores governantes da era pandemia, à frente da Nova Zelândia, um país que agiu com velocidade para proteger seu povo.

Enquanto o senso comum ainda nos obriga a vestir uma camisa de botão para sermos ouvidas, a educação que fortalece meninas aponta na direção contrária. Cada vez mais confortáveis na liberdade – de expressão e de destino – elas aprenderão sobre a importância de não apagar a racionalidade feminina nem da história e nem das relações.

A mulher racional não é fria nem tem energia masculina. Ser guiada pela lógica não te faz menos feminina ou menos capaz de amar. Ter os pés bem fincados no chão é um guia. Questionar é o que vai te conduzir no caminho de uma existência longe das armadilhas que prendem grandes intelectos femininos em vidas apagadas e silenciosas.

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